Entropia psicológica
Quando
era jovem, surpreendi-me, quando me pediram para desenhar um triângulo
equilátero e eu desenhei-o, com um vértice voltado para cima, completamente
estável, apoiando um dos lados, no plano horizontal inferior. A análise desse
acto espontâneo serviu para alguém me alertar, que estava despreparada para a
mudança e para a instabilidade, e isso seria o que iria enfrentar no resto da
minha vida. Talvez tenha sido uma das grandes lições de vida – um acto simples,
que revolucionou o meu interior. Sou grata até hoje, a quem despoletou aquele
meu desconforto interior, abalando todas as minhas certezas e todo o meu guião
de vida, que eu entendia como bem planeado e infalível.
Naquela
época apesar de já ter sofrido algumas reviravoltas na vida, continuava a
aspirar pela estabilidade e continuava sem preparo para enfrentar incertezas. A
família protege-nos, criamos rotinas, desenvolvemos crenças e valores, mas, na
verdade somos uma bolha de ilusão e de falsa estabilidade. O mundo encontra-se
em permanente mudança e é necessário e urgente saber transformar a incerteza em
equilíbrio mental, para não afundarmos na entropia psicológica, nestes dias
feios da pandemia.
E
o que é a entropia psicológica?
Entropia
é um conceito com origem na termodinâmica, segundo o qual, os sistemas tendem a
derivar para um estado de caos e desordem. Na psicologia, este conceito
relaciona-se com quantidade de incerteza e desordem que existe dentro de um
sistema e como somos capazes de encontrar equilíbrio no caos que nos afecta.
A
nossa mente possui algo de fabuloso, que é ser dotada de mecanismos, capazes de
reagir contra a entropia. É o nosso instinto de defesa, que conserva a nossa
identidade e o que nós somos, porém, o nosso mapa estratégico sobre o mundo e
os nossos modelos cognitivos são insuficientes para nos antecipar e nos
preparar para o que vai acontecer a seguir. E quanto mais violento e imprevisível
é o que vem a seguir, mais facilmente nos aproximamos do caos da entropia,
porque ficamos sem referências, sem tecto, e perdemos o sentido crítico para
avaliarmos correctamente as situações.
Só
temos dois caminhos, ou cair no poço e afundar, ou tentar ficar à superfície,
contrariando o processo, reorganizando o nosso interior e procurar novos pontos
de equilíbrio, num contexto de tolerância da incerteza – é o triângulo com o vértice
direccionado para a parte inferior, com equilíbrio estudado e tentado em
continuidade.
Toda
a aprendizagem se faz nesta tentativa de equilibrar o triângulo invertido.
Converter a dor em força, alinhando estruturas colapsadas, flexibilizando
conceitos estáticos, transformando angústias e ansiedades em certezas
provisórias, abrir a mente a novos paradigmas e apelar constantemente à nossa
criatividade e renovação. Esta dialéctica de crescimento confere-nos maior
riqueza interior e uma melhor adaptação ao mundo que não para, tornando-nos
flexíveis e tolerantes. Chama-se a isto evolução consciente.
Resistir
à mudança é alimentar a nossa entropia psicológica, que está sempre preparada
para nos acolher em estado depressivo, fechando-nos para a vida, retendo-nos no
maior pântano de nós. Aprenda a compreender a incerteza e a viver bem com ela.
O seu bem-estar depende dessa gestão equilibrada entre aquilo que somos e o que
o mundo nos oferece.
Publicado em VR, 3/02/2021
1 comentário:
Mais um para a colecção. bj
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