em maré de elogio rasgado
- Porque é que eles têm saudades de
Portugal? Achas que é lamechice?
- Devemos viver onde temos trabalho,
o resto é treta. E agora temos que saber andar de casa às costas,
permanentemente, pois teremos que fazer várias migrações ao longo da vida.
Voltamos a ser nómadas tal como os nossos antepassados.
- Sim, mas porque querem sempre
voltar ao país que não lhes garante trabalho?
Estava eu na conversa
sobre o que acima se enquadra em diálogo.
Porque querem voltar, porque
manifestam saudades, porque gostam de reencontrar portugueses onde quer que
estejam?
Eu nasci a sul do equador, sou uma
sem terra, pertenço a sítio nenhum, qualquer sítio me serve para viver, mas
considero que Portugal é um dos melhores países do mundo para se viver e
portanto as saudades e toda a lamechice que envolve a distância forçada deste
país, é compreensível. Vivemos aqui diariamente e não entendemos bem a dimensão
desse “bordado regional” que se chama saudade, único no mundo, que só nós
entendemos, quando estamos fora do país.
O sol, a morfologia variada, a
paisagem, o oceano atlântico como fronteira, a gastronomia e a localização na
Europa, são cinco de vários parâmetros a considerar.
Temos clima mediterrânico, cerca de
216 dias sem chuva, 3.000 horas de sol por ano, as temperaturas raramente
baixam dos zero graus centígrados, a paisagem é lindíssima – planície,
planalto, montanha, cerca de 526 praias, cidades cheias de património, os
portugueses são afáveis e acolhedores, mistura de várias raças, boa rede de
vias de comunicação, excelente e variada gastronomia, 900 anos de história, é
um país seguro, com baixos índices de criminalidade,…
Os portugueses não gostam de viver
com espartilho vivencial, gostam de convívio, agora cada vez mais na rua, gostam
de festejar as festas tradicionais, quer populares, quer as eruditas, gostam do
bailarico e dos foguetes no ar. Até os compreendo porque isto de andar
deprimido não leva a lado nenhum.
Isto é um povo com a cultura do
serão. Ninguém gosta de se deitar com as galinhas. O estar com alguém após o
jantar, seja a família em casa, seja os amigos no café ou na esplanada, é
essencial para o equilíbrio psicológico. O clima permite, exige e promove o
convívio social fora de casa.
Temos um país pequenino, mas temos
muitas cidades com história e com património – Lisboa, Porto, Coimbra, Viseu,
Braga, Guimarães, Évora,… cada uma com a sua gastronomia própria e agora
começamos a ter orgulho naquilo que é nosso e faz parte de nós, os nossos
artistas plásticos – Paula Rego, Cutileiro, Joana Vasconcelos, Graça Morais,
Bandarra, Amadeo, Almada – os nossos músicos – Abrunhosa, Rui Veloso, Camané, os
Xutos, Carminho – os nossos escritores – Saramago, Afonso Cruz, Lobo Antunes,…
temos os dois melhores poetas do mundo que fazem invejinha a muita gente –
Camões e Pessoa – temos o melhor vinho do mundo – Porto – aqui bebe-se o melhor
café do mundo e somos o pais-estado mais antigo da Europa.
Nós somos, os azulejos, a sericaia,
o queijo da serra, os canastros, as filigranas, o fito, a francesinha, a bica,
o bairro-alto, o Douro, a guitarra portuguesa, a alheira, as gravuras do Côa, o
barroco, os pauliteiros, o templo de Diana, a caravela, as marchas populares, o
galo de Barcelos, o futebol, os descobrimentos, o Favaios, Sintra, os cravos de
abril, o cantochão, o cacilheiro, a salsa e os coentros, o marnoto, as cavacas…
e isto só há aqui, em Portugal.
(Revoltando
os dias, em maré de elogio rasgado a Portugal)
Publicado em NVR a 30/08/2017
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