As cenas do Sena
Tivemos oportunidade de assistir, em
directo e gratuitamente, ao melhor e maior espectáculo do mundo concebido pelo
Homem: A cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos Paris 2024. Foi mais
emocionante estar lá a presenciar, mas sem dúvida os telespectadores receberam
via TV, quase tudo para poderem ver do sofá. Se contarmos o número de
espectadores presenciais ultrapassa em muito a lotação de um estádio, e Paris
acolheu este evento de braços abertos, transformando a cidade num mega-estádio.
A ideia do desfile no rio Sena e mostrar ao mundo os valores da cultura
francesa, foi genial. Não há outra palavra para definir o conceito. Mostraram
Paris aos atletas, mostraram os atletas a Paris e ao mundo, e em segurança.
Excelente.
Quando me apercebi, estava a fotografar
as imagens transmitidas na televisão, isso significa que me entreguei ao evento,
com Paris no coração, resultado da ampliação de um imaginário olímpico,
nunca visto anteriormente.
A cerimónia rejeitou a vulgaridade e
cada detalhe constituiu uma surpresa e uma referência ao conhecimento da Cidade
Luz, não esquecendo uma pitada de humor saudável e de irreverência. Paris
passou a ser um teatro de céu aberto, onde a Liberdade, Igualdade e Fraternidade
foram os valores que uniram as pontes do Sena com o resto do Mundo,
demonstrando o vigor de Paris de Haussmann, de Eiffel e de outros eixos da sua
história. A História, os valores, a arquitectura e todo o glamour
parisiense, foram a plataforma estrutural dos atletas medalhados que concluíram
o percurso da chama Olímpica – Zidaine, Nadal, Nadia Comaneci, Carl Lewis, e
muitos outros… para-olímpicos e quase no final, um atleta de 101 anos, Charles
Coste, do ciclismo, o mais velho campeão Olímpico francês ainda vivo, medalha
de ouro em Londres 1948 passou a chama a Teddy Riner e Marie José Perec que
acenderam à Pira Olímpica dando origem a imagens únicas, içada num balão como
homenagem ao primeiro balão de hidrogénio da história, construído por Jacques Charles, nos Jardim
das Tulherias em 1783.
Nada foi referido ao acaso, cada
detalhe foi uma fonte potencial de informação e de inspiração – a fasquia
elevou-se.
A representação da “Festin des Dieux”
por drag queens, confundiu padres e bispos franceses, já pensando que
era a Última Ceia (e se fosse? ambas são representações fictícias concebidas
pela imaginação do autor), provocando-lhes uma azia descabida. O Papa Francisco
penso que nem reagiu, porque felizmente sabe contar, e percebeu pelo menos que,
atendendo ao número de personagens, não seria a Última Ceia…. Enfim, Paris é
tudo isto, inclusivamente motivar o questionamento. Porém… os narradores
televisivos poderiam aqui ter um papel mais assertivo na partilha de
conhecimento, para não confundirem mitologia com cristianismo.
Momentos de maior destaque:
1 - Os Gojira, a primeira banda de heavy
metal a participar neste tipo de espectáculo, e as muitas Marias Antonietas
decapitadas nas janelas do
edifício Conciergerie segurando a sua própria cabeça, enquanto aparecia a
palavra “liberdade”, a primeira do lema da França, que é “Liberdade,
Fraternidade e Igualdade”.– para mim é a imagem preferida.
2 - As dez estátuas de mulheres,
grandes francesas da História que vão ficar para sempre nas margens do Sena.
3 - O atleta, ou atletas personificados
pelo “mascarado” ou “encapuzado” sem rosto, que percorreu os telhados de Paris
segurando a tocha, transmitido em paralelo, e que ia apresentando espaços
icónicos de Paris. Quem era ele, ou eles? Homens e mulheres desconhecidas… pela
mobilidade, pareciam ser atletas de Parkour, personificando o “mascarado”, o
apelido carinhoso do próprio personagem principal de “O Fantasma da Ópera”. Não
era Arno Dorian, O Homem da Máscara de Ferro, Fantomas e Arsène Lupin, era, na
verdade o Fantasma da Ópera.
4 - O cavalo metalizado que corre
sobre o Rio Sena, da Ponte D'Austerlitz à Ponte D'Iéna, propagando o espírito olímpico,
foi um apelo à paz e à solidariedade. Um “cavalo de metal”, com 1,80m de
comprimento, foi a "encarnação" de Sequana. Na religião galo-romana,
Sequana era a deusa do rio Sena e da resistência. O cavalo foi equipado com um
sistema de flutuação criado especificamente para as necessidades da cerimónia
de abertura, pelos arquitetos navais de Quiberon, na Bretanha. O mecanismo
transcreveu os movimentos do galope de um cavalo com a maior precisão possível.
E finalmente a evocação a Joana D’Arc, mártir, padroeira e protectora da
França, aquela a que muitos chamaram erradamente amazóna.
5 – A construção das medalhas, feitas
a partir de materiais da Torre Eiffel.
Para finalizar, uma nota para aqueles
que encontraram defeitos em tudo, que odiaram, que pretendiam ver uma espectáculo
tradicional, que nem fazem contas ao número de participantes. Interpretaram a Última
Ceia, quando não era, que acharam ofensivo a Mona Lisa a boiar no Sena e as
Marias Antonietas à janela, que não gostaram da Celine Dion, não gostaram do
Zidaine, e também não gostaram de tudo…. Bom, na verdade, a maioria dos
críticos ferozes, odeiam a tolerância, a inclusão, a diferença e o grande
problema é o ideal de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, sempre actual e que
lhes provoca muitas comichões.
Publicado em NVR 7/08/2024
4 comentários:
Muito bem. É sempre um prazer ler o que escreves.
Muito bem ,é sempre um grande prazer ler o que escreves!
ADOREI.
Grata pela mensagem.
Grata pela mensagem
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