Anotadora de mundos
Escrevo para dar resposta a um propósito, para exteriorizar reflexões, para encurtar distâncias entre mim e os outros, para pluralizar emoções, para amenizar estados ansiosos que necessitam de expressão. Corro riscos, financeiros e pessoais. Expondo-me, começo a pertencer à vida de quem me lê, num exercício desequilibrado, numa relação unívoca, que nunca sei se será boa ou má, porque me exponho, porque me partilho para desconhecidos.
Um dia uma colega questionou-me já afirmando, que eu deveria sofrer de um grande complexo de inferioridade e eu apenas sorri, porque essa apreciação é de facto desconhecer completamente o mundo da criatividade. Para essa pessoa, eu deveria estar em casa a cozinhar, a limpar o pó e a ver telenovelas, ignorando que há outros mundos, para mim, mais enriquecedores.
A criatividade é uma
competência de valor e aplicabilidade universais, ou se tem, ou não se tem, que
se desenvolve ou não, relacionada com a capacidade de um indivíduo imaginar,
criar, produzir ou inventar conceitos e coisas inéditas. Essa capacidade que se
amplia constantemente junta inteligência, conhecimento, personalidade,
motivação e contexto ambiental. Desconheço se Freud rotulou esta forma de viver
como complexo de inferioridade, mas também é-me indiferente, porque nada me
acrescenta ou retira.
A introspecção, por vezes,
confunde-se com timidez. A observação, a curiosidade e o questionamento,
inquieta quem está mais próximo. A capacidade de processar ideias, articular e
comunicar pensamentos pode parecer, e é, atrevimento, ousadia e rebeldia, mas
nada tem a ver só por si, com complexos e traumas mal resolvidos; é algo
inofensivo, saudável e por vezes hilariante.
Obviamente, que tenho
traumas, como toda a gente, e já adquiri capacidade para rir deles, tenho e assumo
que sou carente afectiva, quem não é? A diferença é que eu quero ser carente e
quanto mais mimo me dão, mais eu quero, porque a felicidade localiza-se no
infinito. Estes meus problemas vivo bem com eles, e carrego-os carinhosamente
sempre comigo, eu diria que até os alimento e estimo, mas sofrer de distância e
de criatividade… é aquele “só estar bem onde não se está”, é ter urgências que
se vertem em palavras, é concretizar sonhos que parecem impossíveis, é não
saber esperar, é conversar comigo mesma e criar projectos e cumpri-los, sem
esperar por estímulos de alguém, sem sobrevalorizar críticas, sem me intimidar
com obstáculos, no fundo, é estar no fio da navalha permanentemente, é caminhar
na corda suspensa sem rede, é a adrenalina como se estivesse a saltar sem
paraquedas, apenas porque desconsigo viver de outra forma. Tento passar entre
os pingos da chuva, não machucar ninguém com este meu pensar fora da caixa, não
afectar muito o meu trabalho e as responsabilidades que vou assumindo ao longo
da vida, mas isto não é um caminho que se escolhe, é um viver alternativo que
me escolheu assim como sou.
Conclui mais um projecto de escrita, escrevi 3 livros, sem me considerar escritora e sinto-me grata a todos os “personagens” que fluíram no meu processo criativo e que eu sem cerimónia tomei emprestados e os converti em conteúdo. Agradeço também a quem me acompanha, e se deixa levar na minha onda louca e criativa, em situações inesperadas. Por último, agradeço aos leitores que leem alguém, que não passa de uma mera anotadora de mundos, eu.