Reflexão
arquitectónica
Quando me sinto
confusa, saturada de informação e desconfortável com o sentido do meu
pensamento, normalmente tento regressar às origens e fazer um refresh –
na política, na arquitectura, na música, nos valores…,
Neste caso fui até à Antiguidade,
perceber o que andaram a fazer na Grécia Antiga. A Grécia Antiga dá-nos lições
sobre a perfeição na arquitectura e a sua relação com o Homem.
Escolhia-se uma encosta
para servir de base à arquibancada, que acompanhava o declive, integrando-se
harmoniosamente na paisagem, favorecia a acústica, facilitava a construção e
proporcionava uma panorâmica de fundo aos espectadores, apenas com o plano
inferior preenchido com o palco. Estes eram os mais importantes princípios que
asseguravam uma obra com sucesso, duradoura, bela e eficaz de um verdadeiro
anfiteatro ao ar livre. Eles existem até hoje para testemunhar todas as
retóricas possíveis e imaginárias.
A Cavea, ou platéia, a
Skéne, ou palco-camarim e a Orkhestra são os 3 elementos básicos tradicionalmente
implantados em encostas, os teatros áticos geralmente não possuíam paredes de
sustentação posterior da cávea, porque o relevo o evitava.
Esta concepção evitava
o efeito de caixa, se por acaso invertessem estas características. Virar os
espectadores para as cotas mais elevadas é perfeitamente claustrofóbico,
contrariando aquilo a que se chama a integração por semelhança, e que converte
os espaços confortáveis, humanizados e “respiráveis”.
A forma circular
completava o efeito acústico, assim como outros pormenores básicos de design,
hoje reconhecidos como importantes nas peças acústicas destes teatros.
Até ao século IV a. C.,
o teatro era apenas um auditório, implantado numa encosta, preferencialmente
côncava, servida por bancos de pedra. planeados de uma forma racional, adotando
uma estrutura regular - Epidauro e
Dionisio fase III.
Epidauro tem um
diâmetro de 112 metros e capacidade para 12.000 espectadores, não agride a
envolvente e só se torna visível, quando já estamos quase na entrada. É
perfeito!
Quando houve
necessidade de aumentar a plateia, o conceito de ligação ao declive morfológico
manteve-se, elevando-se apenas a parede exterior, que ultrapassava a curva de
nível da parte mais elevada da vertente - teatro Eretria
Os Romanos já um pouco “trapalhões”,
ousados e dominadores faziam-nos em qualquer lugar, abandonando o vínculo com a
topografia, nem que para isso tivessem que criar edifícios gigantescos
(coliseus) que até eram do seu agrado e consonantes com a monumentalidade tão
ao gosto dos Césares.
A partir daí esta peça
arquitectónica foi utilizada, reutilizada, recriada, reinventada por muitos
arquitectos e engenheiros, mas a essência do sucesso é sempre a mesma, a beleza,
a relação do homem com o espaço, a fruição, a ligação pacífica à envolvente e a
lógica/ conforto gerados ou resultantes destes binómios: espectador – actor,
arquibancada ou plateia-palco.
A acústica é algo que a
tecnologia resolve, o fundo de palco, até poderá não existir, o público, sim,
deve ter um lugar agradável de vista larga.
Em toda esta divagação nunca esquecer
o impacto na envolvente, o que se vê por fora. Se queremos barreiras arquitectónicas
ou não, se queremos muros ou precipícios, se queremos integração por semelhança
ou por ruptura. Se queremos estar separados ou juntos.
Publicado em NVR 20|09|2023
(olhar em volta e reflectir sobre o que acontece na nossa urbanidade)
6 comentários:
Estive sentada num dos lugares mais no alto do Epidauro e ouvia perfeitamente o que diziam no palco (sem microfones)!
Achei fantastico !
Não sou um anónimo, sou a Fátima Picão 😁!
O anónimo Zé Fernando gostou. conheço perfeitamente as bases históricas e construtivas, mas penso que deves continuar a utilizar o teu Blog para divulgar conhecimentos e cultura. beijinhos
Beijinho Zé, eu transporto sempre a informação para aqui e devidamente etiquetada para facilitar a procura.
Fátima, dizem que se deixares cair uma moeda no palco, dota a plateia ouve. Beijinho
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