NOA NOA
Sinto-me confusa e
desassossegada.
Há muito que não
entendo porque o público da nossa cidade não consegue aceder a mais
espectáculos da Companhia Peripécia. Sinto falta deles, mesmo repetindo-os.
Para mim é um dos melhores grupos de teatro do mundo, que temos a sorte de
serem daqui.
Finalmente decidi-me
a ir A LUA CHEIA em Benagouro e assistir ao espectáculo de canções de amor,
antigas, de origem sefardita, que a Companhia tinha em agenda.
Resisti a Benagouro
até à semana passada, porque gosto de estar confortável em momentos de lazer, e
sempre percebi que as alternativas de Coêdo e Benagouro, são estruturas
rudimentares para espectáculos.
Tive o privilégio de
assistir ao grupo NOA NOA em “Palavricas d’amor”. Vivi momentos musicais de
excelência. Nunca ouvi aquelas canções antigas, sonoridades com mais de 400
anos… viajei no tempo, criei novas ligações com os meus antepassados e os meus
olhos humedeceram. Emocionei-me.
Depois comecei a
pensar e a analisar o sítio e os espectadores.
Fiz contas de cabeça,
percebi que o auditório tem apenas 50 lugares, mais pequeno que o auditório da
minha escola. Estavam 47 espectadores, em que alguns eram elementos da
Companhia e outros eram familiares que acompanharam os Noa Noa. Imaginei por excesso,
40 pessoas que pagaram 5€ pelo bilhete, ou seja, um concerto com 200 € em caixa
de bilheteira. Depois de 40 minutos de música, assim refere o programa, para
mim foi bastante mais, ainda tivemos direito a conversar com os músicos
apoiados pela coordenação do actor Sérgio Agostinho. Perguntei a uma amiga como
sobreviviam, e ela referiu apoios e subsídios.
Fiquei confusa e
incomodada. Confusa pelas frágeis condições de trabalho, o desconforto dos
espectadores, a grande qualidade de trabalho que adquiri apenas por 5€, confusa
por todos os que nem souberam que tal espectáculo aconteceu… e sobretudo como
se sobrevive com 200€ a produzir trabalho de investigação, execução e trabalho
criativo de qualidade.
Aprendi imenso neste
espectáculo, falou-se de:
- Arte das musas.com,
dedicação, sensibilidade, música antiga, cancioneiro sefardita, expulsão dos
judeus, Lisboa, Idanha, guitarra barroca, século XVII, instrumentos musicais
antigos, construção de réplicas, madeiras, cola animal, fragilidade, guitarra
barroca, tanger um alaúde, atabaques, recriação musical, música maneirista, Bélgica,
Japão, Praga, África, D. João V, Domenico Scarlatti, Coimbra, Mosteiro de Sta Cruz,
temperos e temperamentos, o terramoto…
Voltarei, aprendi o
caminho e sacrificarei todo o meu conforto pela qualidade. Continuo confusa e
desassossegada, existe certamente, uma ou várias areias nesta engrenagem, que
ao longo dos anos, nunca ninguém me quis explicar. Ou a Companhia Peripécia ama
a natureza, seduzidos pelo romantismo da Lua Cheia numa aldeola ao cima, à
direita do Portugal profundo, apostando no intimismo, um pouco misericordioso (não
sei se é bem esta palavra), gerado no teatro da aldeia, sendo uma opção artística
deles e de outros espectáculos alternativos, performances fora da caixa, ou
então, existe alguma problemática invisível com a cultura da nossa cidade, que
não os divulga, não os promove convenientemente e não os converte em estrelas
que são, facilitando, promovendo a partilha e oferecendo verdadeira cultura ao
público vila-realense. Já sei que me dirão, que ainda este ano a Companhia Peripécia
esteve no Teatro Municipal… e isso o que é, para quem faz um trabalho
extraordinário? Sinto que isto tem algo que não bate bem, há aqui um mistério de
bastidores que me ultrapassa.
Neste fim de semana a
agenda cultural da Bila era pobre e vi-me à rasca para descobrir este evento. O
espectáculo de Sexta, dia 1 de Setembro, a que me refiro, era digno de uma
Gulbenkiam ou de uma Casa da Música e fui vê-lo a um edifício rudimentarmente adaptado,
perdido em Benagouro, acedi por um caminho escuro, felizmente havia lugar para
estacionar, com bar aberto para o exterior, um descampado, em que o “Foyer”
tinha no máximo 12 m2, espaço de passagem e onde se situava também a bilheteira; as
instalações sanitárias, quem as utilizou saiu desconcertado devido a uma
cortina, o auditório tinha apenas 3 filas com 50 lugares, onde as cadeiras
uniformizadas pelo preço económico, eram muito incómodas e suportadas por uma
estrutura metálica.
Há aqui um enorme
contraste entre a pobreza das infra-estruturas e a qualidade artística. Será
isto uma opção de vida? Será o espelho da autonomia artística? Mas as contas
têm que se pagar no final do mês! Na verdade, parece-me mais, artistas
excepcionais com as penas cortadas, sabe-se lá por quê.
Não acredito neste
pitoresco, nesta opção de vida profissional, nesta carência visível. Não
entendo, incomoda-me, desassossega-me e só sei uma coisa, quem perde, somos
todos nós. Eu voltarei, porque já não tenho tempo a perder e não estou disposta
a perder mais nada do que esta Companhia apresenta.
Publicado em NVR 06/09/2023
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