Anita e o pé-culato
Ainda não percebi a que horas foi, dizem que foi de manhã cedo. Manhã cedo para mim pode ser 10h, hora em que as pestanas descolam, mas aqui para o meu vizinho, manhã cedo é às 6h30m, que se levanta sempre a essa hora, no silêncio da madrugada, clica nos interruptores abrindo caminho para o WC e sossega a bexiga. O interruptor clica, os chanatos arrastam-se, a porta bate, os líquidos ganham vida, o autoclismo descarrega e o senhor pigarreia.
Então agora chegou a vez de fazer rolar a cabeça do RR?
Começam com suposições que depois se reverterão em suspeitas, possíveis
crimes e em suspeita de pé-culato. Palavra forte que nem sei o que significa, se
alguém me acusasse de pé-culato, acho que iria imediatamente ao podologista
para ver se estaria tudo em ordem antes de me deitar a afogar. Entre joanetes,
esporão do calcâneo, micoses e verrugas, venha lá o pé-culato.
Aquela conversa que todos são inocentes até que se prove o contrário, é
uma grande treta, que nós, a partir de agora, fingiremos acreditar.
Nas buscas ao apartamento… terão ido pelas escadas ou pelo elevador? por
onde terão começado? Claro que não pediram para entrar e apanharam o senhor de
bóxeres ou cueca samba-canção e de havaianas (com o calor que está!!!), com o
cabelo desgrenhado, ainda sem tomar um cimbalino matinal e com hálito indisfarçável
de cama. Imagino que rapidamente acederam ao vestíbulo de entrada, que os
portugueses gostam de chamar de “Ól” e pela lógica de distribuição dos espaços
habitacionais, metade dos investigadores viraram à direita e colocaram-se
estrategicamente na cozinha, despensa e na lavandaria e os restantes avançaram
pelo corredor, distribuindo-se por tudo o que tinha porta. Isto sou eu a
imaginar. Seria cena cinematográfica de pistola à frente e virar esquinas a 90
graus? “My name is Bond, James Bond”! Não se sabe. Pormenor desvalorizado pelos
jornalistas e segredo bem guardado pela investigação. Cheirava a cebola, devido
ao estrugido confeccionado ao jantar, disse o vizinho do andar de cima, que
partilha a conduta de evacuação de gases.
O que se passa com Portugal? Penso que andam aqui águas profundas
revoltas em conluio não sei com quem, tendo como objectivo denegrir algumas
personalidades públicas e agora vale tudo até o homem das contas certas. Isto é
desespero! Parece que existe aqui uma negra conspiração contra a democracia
para fazer crer que o coiso do mundo político está um caos, e o melhor é vir
uma ditadura para por tudo no lugar; as pessoas sérias da democracia e com
posses é melhor fazerem as malas e partir para um destino onde ninguém os chateie,
e os restantes que se calem e também não desenhem, porque vivemos tempos de
liberdade condicionada, que me fazem questionar: Onde já vivi isto? Na Disney? Os
investigadores vestem de preto e usam chapéu? Também ninguém informou.
Eu, Anita, que não sei ler nas linhas, nem nas entre-linhas das linhas
vermelhas do Direito, e muito menos nas linhas invisíveis e tortas da Política,
parece-me muito estranho. Isto tem um calendário estratégico. Parece ser um
escândalo que cai como sopa no mel para desviar atenções dos alvos certos. Eu
quando quero que alguém entre aqui em casa, tenho que distrair o meu Bobyrotivailer,
com um bife na marquise e depois de repente, fecho a porta e ele fica lá
agradecido pelo petisco. Como é possível baterem à porta do homem às 7 da manhã,
agora dizem que foi às 7, com toda a estrutura mediática pré-avisada e a postos?
Que estranho! Ainda tiveram que pagar 1 ou 2 horas extraordinárias a muita
gente. Ou já não se pagam horas extraordinárias, fica tudo incluído no pacote
dos setecentos?
Voltando ao apartamento, enquanto o homem alvo veio até a varanda falar
com os jornalistas que o interrogavam da rua, os investigadores deveriam estar
a escarafunchar tudo, com lupas gigantescas, começando pelos objectos mais
estranhos, que os mais novos nem sabem o que são. Certamente recolheram uma
enceradora de chão, uma cafeteira expresso, um descascador de alho, mais a antiga
máquina de picar carne. Os outros, que andavam na parte restante do apartamento
certamente tentavam identificar uma velha máquina de escrever e o seu
funcionamento, uma cassete de fita onde haveria uma gravação dum baterista dos
anos setenta, um tinteiro da escola primária, e certamente alguns carimbos com
lacre, desconfiando que ali estaria o segredo das senhas e passwords, para
depois se virarem para a parte digital.
O Zé Albino certamente miou e arranhou o investigador que o obrigou a
sair do meio dos cobertores, tão cedo, desconfiado com tamanha barafunda àquela
hora da manhã, e saltou rapidamente para um sítio mais seguro, aquele sítio, “Cuidado,
aqui não mexes”, a cristaleira lá de casa, arqueando o corpo, pronto para o
ataque. Não seria mais fácil avisar e marcar hora?
Quem será a próxima vítima? Sim, porque é preciso showroom, para
ganhar audiências e outras coisas mais que andam a esganar a política e o país,
ou o país e a política, a ordem não é indiferente.
- Já chegou o carro celular? - perguntava RR da varanda para montes de
jornalistas à espera de sangue, localizados no exterior do edifício. Gostariam
mesmo de chicote e algemas, que afinal não constaram da representação. Que
banhada deu RR a todos! (aplauso)
Aguardem, baralham-se os dados e voltam-se a lançar daqui a uns dias. Muitos,
já de tão baralhados que estão, não reconhecem o trigo e o joio. E é isso que
se pretende. Baralhanço dos valores democráticos.
Qual será o próximo aparato? Ainda bem que guardo todas as facturas
desde 1981!
- Posso deitar fora os meus dossiês de contabilidade? já vou na 44ª
pasta! - pergunto ao meu contabilista.
- É melhor guardar, é melhor guardar, nunca se sabe.
- O quê? não poderei guardar apenas a papelada de há 10 anos a esta
parte?
- É sempre uma segurança…. Os IVAs, o IRS, a Segurança Social…
- E 15 anos? Insisto eu para ver se desocupo dois armários cheios de
dossiês e traças, que se escondem numa união de facto reprodutiva, entre
despesas e receitas, recibos, facturas, comprovativos disto e daquilo ainda
escritos à mão, cópias de cópias de segurança, onde vejo por vezes as margens
de alguns papéis azuis, chamados, “papel selado”, com requerimentos e selos
fiscais lambidos e colados, traçados com a minha assinatura analógica
escarranchada de há muitos anos.
- Se puder é melhor não.
- E as disquetes? Tenho um computador enorme, que não utilizo, que lê
disquetes, não posso despachá-los?
- E depois como lê as disquetes, se for necessário?
- Então agora as Finanças não têm tudo digitalizado, com programas
informáticos que articulam tudo?
- Sim, mas se o servidor falhar e a nuvem se transformar num ligeiro
chuvisco, a sra será obrigada a mostrar comprovativos.
Nem sei porque estou a escrever isto, vou mazé escrever sobre os 3
pastorinhos... ou melhor, Nossa Senhora de Fátima, talvez seja menos perigoso.
- O rei vai nu! O rei vai nu! O rei vai nu!
E parece que vai mesmo, e nós andamos nesta cegueira colectiva, talvez
RR accione a racionalidade e a clarividência nacionais!
Por aqui, apareçam só depois das 10h, porque as pestanas não descolam
antes dessa hora, e em vez dos jornalistas, avisem alguém da minha família,
para me dar tempo de trancar o Bobyrotivailer na marquise e então irei à varanda,
que não tenho, de chanatos de pé-culato, gritando:
- Quero deitar-me a afogar!
Ass: Anita
(quando já não há pachorra, faço de tarefeira).
Publicado em NVR 19/07/2023
5 comentários:
Este texto é do melhor! Ironia e crítica política ao mais alto nível! 👏👏👏👏
Eh pá ainda estou a rir, Mas o assunto é super sério. Amo a Anita.
Carlos
Ana
a tua escrita
com o bailar das palavras
é simplesmente
absorvente
sério e hilariante
abraço
Grata, anónimos. Espero não vos decepcionar.
Abraço
Ana André, a Anita agradece. Beijinho
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