Perguntam-me o que
gosto de ver nas cidades e como as visito.
Gosto de estudar
cidades, daí, ver é essencial, e para isso, tenho que obrigatoriamente viajar.
Quando chego a uma
cidade, localizo o Norte, um rio, o mar, ou outro elemento importante, e o Sol,
para me orientar facilmente e só recorrer a mapas e GPS, quando estou muito
baralhada.
Se tenho pouco tempo,
apenas visito exteriores, por vezes são 12 horas seguidas a caminhar e a
fotografar. Se tenho mais tempo, programo, e faço as minhas escolhas; para além
daquilo que todo o turista vê, igrejas e museus, gosto de visitar teatros,
mercados, bibliotecas, livrarias, termas, ferro-velhos, bairros antigos, portos
e obviamente aqueles edifícios icónicos, que fazem parte da história da
arquitectura e que por vezes estão classificados.
Facilmente crio em
permanência uma visão aérea sobre a cidade, apelando ao meu raciocínio
abstracto e tento visualizar a evolução histórica da mesma e o seu desenho
urbano, evocando todo o conhecimento que possuo; requer treino e conhecer a sua
planta. Sou sensível ao traçado das ruas, às suas dimensões, às isometrias
urbanas que emanam da geometria e da matemática, e considero as suas causas invisíveis.
Nos edifícios facilmente adivinho que compartimentos estão atrás de janelas e
portas. Reparo e registo, aquilo que é único. Por vezes faço itinerários
racionais, outras, absurdos. Às vezes quero perder-me propositadamente,
deixar-me levar apenas pela visão, se não entender o nome das ruas, melhor, e depois regressar
de táxi ao ponto de partida (Praga e Riga). Tento perceber a cidade que cada
uma oculta e questiono-me se mereço entrar nesse fenómeno, que é um núcleo populacional,
com uma carga histórica única e sempre transformadora.
A máquina fotográfica é
um recurso óptimo de registo, porque o nosso cérebro rapidamente satura e deixa
de memorizar. É raro alinhar em visitas guiadas e utilizar audiofones. Leio
rapidamente algumas orientações e depois é a memória arquitectónica a
funcionar, a articular conhecimento e a seleccionar, não perdendo tempo com o
que considero acessório. Nas ruas, fotografo, especialmente, reflexos, para
alimentar o meu projecto “Arte de iludir” e inspiro-me nestas imagens, em
certos projectos pictóricos, e de poesia visual. Registo elementos urbanos
pitorescos – caixas do correio, fenestrações, clarabóias, reclames, cata-ventos,
relógios, tampas de esgoto – revestimentos, texturas únicas, e em todo lado, me
aparece uma noiva, ou um músico que aceitam ser fotografados. Também fotografo
os nomes das ruas, para melhor identificar as fotos. Por vezes utilizo a função
“olho de peixe”, para posteriormente me divertir, e os 7 disparos automáticos
com focagens diferentes (fotos criativas). Uso sempre uma máquina fotográfica
pequena, devido ao peso e que caiba no bolso, e já tenho tanto treino, que
fotografo em andamento, e em qualquer situação, estico o braço e tudo fica
alinhado. No final do dia, revejo fotos e escrevo o meu diário. Antes e depois
das viagens realizo os estudos daquilo que me interessa ver ou que já vi.
Quando viajo, se quem
me acompanha está em sintonia, não me considero em férias, mesmo estando-o; estou
a ampliar conhecimento, trocando facilmente o almoço num restaurante por uma
sanduíche, para não perder horas de luz, deitando tarde e acordando cedo para
rentabilizar todos os momentos. Se viajo com pessoas que não têm os mesmos
interesses, tenho que fazer algumas cedências, nem sempre fáceis, apelando para
o meu lado tolerante.
Agora uso também o
telemóvel, para escrever referências que me irão ajudar posteriormente ou, para
escrever o que sinto em certos lugares que me sensibilizam. Posso fazer um
poema, ou uma frase com algo que vi ou ouvi.
Viajo algumas vezes
sozinha, e por vezes recorro a agências que organizam viagens em grupo. Nesse
caso, submeto-me inteiramente ao programa proposto, e aproveito o conforto da
viagem, sem preocupações sobre nada. Também tem o seu lado bom, mas estou
sempre de olho nas cidades ou aglomerados urbanos, fazendo as minhas conexões
mentais que não são óbvias, nem visíveis.
As cidades são
organismos vivos, que se desenvolvem de uma forma nem sempre científica, mas
atendem a tantos parâmetros que me apaixonam, nomeadamente ser uma manifestação
colectiva e profundamente ligada à sociedade. Não há duas cidades iguais,
porque as populações não são iguais, os sítios também não são iguais, porém o
tempo e a história podem criar uma linha de união para a sua análise e
entendimento. Gosto de apreciar como as pessoas vivem a sua cidade, às vezes
invejo-as, outras compadeço-me delas. Por vezes sento-me num café e tento ouvir
sem atribuir significado ao que dizem, fixando a amálgama de sons daí
resultante. Essa é uma memória auditiva que associo àquela cidade. Por vezes há
odores que também identifico a certos espaços. O cheiro agradável de um acesso
à Plaça Reial, que liga à Rambla, em Barcelona é um deles; é inconfundível o cheiro
a chás e infusões. O cheiro putrefacto de alguns canais de Veneza é outro, a Rua
Entreparedes no Porto, antigamente, cheirava a bolachas, e algumas ruas de
Plaka em Atenas reina a menta. Só falta falar da luz e da cor. Para os
fotógrafos profissionais são essenciais. Não sou esquisita, desde que não
chova, tudo serve, mas sempre sem flash. Chover é que não!
Gostar de cidades é
cultivar memórias, descodificar símbolos, formular teorias, edificar novos
olhares sobre o mundo, é compreender a mudança, unir virtudes a defeitos, é
repovoar a nossa geografia com novas formas, novas estéticas e novos desafios. É
sorrir.
Publicado em NVR 16|05|2023
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