Com Germano Almeida
Germano
Almeida, escritor cabo-verdiano, esteve aqui no Reino Maravilhoso, e tive
oportunidade de o conhecer, organizar e assistir a um encontro com alunos, e no
final, trocar conversa solta e livre sobre alguns temas e ideias com os quais
me identifico totalmente.
As suas
palavras favoritas são “Muito bem”, porém, certamente as palavras que mais
ouve, serão, “como é alto”. De facto, é impossível vê-lo pela primeira vez e
não dizer isso espontaneamente. Dei-lhe um beijo e tive que me elevar, em bicos
de pés, para chegar à sua face e obviamente o primeiro comentário foi: - Ui,
como é alto!
Tomei notas,
durante o encontro com os alunos, o foco foi a leitura e a escrita, que
tentarei aqui partilhar: Não se considera um escritor e sim um contador de
estórias - não escreve em crioulo – a origem do seu pseudónimo Romualdo Cruz,
que já não utiliza – opinião sobre Saramago e Torga – os seus escritores
preferidos, Jorge Amado, Eça de Queirós e Gabriel Garcia Márquez – o prazer de
reler “100 anos de solidão” e “Outono do patriarca” – lê em suporte digital,
porém, prefere o papel - comentários sobre três dos seus livros, “O testamento
do senhor Napumoceno da Silva Araujo”, ”Os dois irmãos”, “O meu poeta” – o seu
melhor livro é sempre aquele que está a escrever – conselhos para quem quer
começar a escrever: ler muito e investir tempo… - referências a Herodoto,
Stalin, Corin Tellado, Civilização Editora, Napoleão,…
A propósito
das estórias contadas e recontadas ao final do dia, durante a sua infância e
juventude, hábito que se perdeu com a televisão e agora com os dispositivos
digitais, mencionou-se a Semana do Bem-estar digital, onde a comunidade poderá
aceitar o desafio de ponderar sobre o que ganha e o que perde com os
dispositivos digitais, e as mudanças necessárias para contrariar a desumanização
e o isolamento.
Quanto a ele
não há leituras supérfluas, nem livros inúteis. Referiu com ironia que até as
bulas dos medicamentos são para ler. Incapaz de deitar fora os seus livros,
explicou porque deixou de fazer sublinhados. Considera que tudo que sublinhamos
ou anotamos num livro, revela a nossa autêntica personalidade. Somos nós os
verdadeiros e autênticos, sem truques e sem filtros. Comparei à pegada digital,
a minha que é enorme, e evoquei uma grande amiga que possui uma grande biblioteca,
com todos os seus livros rabiscados e por isso, não os empresta a ninguém. Esta
análise é perfeitamente verdadeira. Diz-me o que lês e o que sublinhas, e
dir-te-ei quem és. Salientou o encontro entre escritores, ao qual nunca recusa
a oportunidade de saber e aprender mais com os outros.
Falou-se da
catarse que proporciona o exercício da escrita. A escrita possibilita e
facilita a exteriorização de tudo o que habita em nós. Será a escrita uma
terapia? A escrita substitui possíveis ouvintes, substitui um possível
psiquiatra, despreocupada com a hipótese de publicar ou não, partilha, venda…
apenas focando o acto de escrever, e escrever como falamos, sem grandes
preocupações literárias, possibilita que a corrente flua e a criatividade se
manifeste facilmente. O desenho antecipado de temas e personagens, depois,
ganham vida e destino; essa amálgama de informação presente no acto da escrita,
somos nós, o nosso interior, a nossa identidade, a nossa experiência de vida,
aquilo que lemos e aprendemos e que irá definir a narrativa, as estórias,
mediante um processo de auto-avaliação constante, transformado em pensamento e
em escrita. A não publicação de algo que se escreve é assunto menor, perante
este processo tão rico e complexo.
Obrigada
Germano.
Publicado em NVR 10|05|2023
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