Palácio Ducal
Caixa secreta de denúncia, no Palácio dos Doges, ou Palazzo Ducale em Veneza, Itália. As caixas de correio eram comuns desde o século XIV para os cidadãos processarem secretamente acusações ou denunciarem crimes.
Palácio Ducal
Estou em espera no aeroporto de Lisboa, vinda não interessa de onde e vou para o Porto. É inquietante pensar,
que antes do 25 de abril, eu teria que usar passaporte, a Pide já me teria
revistado, teria que mostrar autorização do marido ou do pai para viajar. Como
não tinha, já teria ficado retida para interrogatório. Neste aeroporto se quisesse comer, teria q me
dirigir a um único restaurante que servia ovos mexidos e caros. As hospedeiras
eram lindas e não podiam casar, porque eram elementos de instabilidade
familiar. Os wcs eram reduzidos, porque reduzido era também o número de
passageiros, os autoclismos ainda tinham uma corrente para puxar. Os aviões em
vez de se chamarem Nadir Afonso ou Amália, chamavam-se Sra da Conceição ou
Divino Espírito Santo. Nesse tempo eu teria pelo menos, 4 primos com 21 anos,
na guerra colonial, com metralhadora às costas a matar pessoas indefesas, em
territórios desconhecidos. Cuspia-se no chão, fumava-se muito e as periscas
deitavam-se no chão. Não havia liberdade de expressão, cada um comia e calava.
Alguém conhecia alguém preso por pensar diferente. Humberto Delgado, nome de
figura ilustre atribuído ao aeroporto, não se podia sequer evocar. Não havia
Coca-Cola, livros e músicas eram censurados ou proibidos. Havia crianças
descalças e esfomeadas, na rua. Era hábito, os homens baterem nas mulheres e o
analfabetismo era um sucesso. Hospitais, poucos, enfermeiras também não podiam
casar, SNS eram apenas 3 letras maiúsculas, divórcios nada, filhos ilegítimos
muitos, habitação pouca e fraca. Monopólios vários, corrupção disfarçada em
negócios para o desenvolvimento do país. Euros não existiam. Tinhamos uma moeda
própria, o escudo, que valia pouco, e nem sequer era a mesma, das colónias. Nas
aldeias, uma sardinha dava pelo menos para duas pessoas. Rezava-se pelo Salazar
como se fosse o único esclarecido do mundo. Ai dormir com o namorado!!... Nem
pensar! As mulheres só depois de 70 é que começaram a usar calças. As grandes diversões eram o cinema, teatro,
censurados, as festas populares, o futebol, o fado do aleijadinho e viajava-se
até a praia mais próxima, por causa do iodo, com pouca pele visivel. Muitos,
nem férias tinham!
A maioria das aldeias não tinha
água, nem electricidade e muito menos esgotos.
Telemóvel e internet? Esqueçam!
Algumas pessoas tinham aquele telefone arcaico de números às rodelas.
Eleições eram de partido único,
para não haver confusões. Nem pio! Caso contrário, teria dois senhores de
chapéu a perseguirem-me.
Mal por mal, melhor assim como
estamos em 2023.
Abril fez a diferença. Sociedades
perfeitas não existem, mas ainda ninguém inventou nada melhor do que a
democracia.
Facebook 25 | 04 |2023
19,38 Praça de S. Marcos
Zoooooing, 10? 8
Palácio ducal
Pedro Abrunhosa e Camponeses de Pias
A montanha desceu até ao mar para
abraçar o Porto
E chovia
Voámos pelas ruas agarrando as
palavras entre nós
E chovia
Deixamos que as nuvens se
arrumassem lá no céu
E parou de chover
Entramos no Coliseu como se este
fosse só para nós.
Quase os primeiros.
Ofereceste-nos
uma noite harmoniosa e inesquecível. Valeu a pena descer a montanha. Já ouvimos
tantas vezes as mesmas músicas, em vários lugares, mas nunca as cantas da mesma
maneira, portanto é sempre diferente e uma boa surpresa, revelando a grande
capacidade que tens de decompor e voltar a compor e confirma a tua criatividade.
A mistura, a ligação entre os vários momentos, os efeitos de luz a “rasar” a
plateia, a tua bela homenagem a Cohen e aos Bee Gees são a nota do teu
despretensiosíssimo, bom gosto e também a pequena “nota” que enquadra a nossa
geração.
Os teus
Bandemónios estão cada vez melhor, e foi um golpe de génio unires a tua música
ao cante alentejano dos Camponeses de Pias[1],
Património Cultural Imaterial. Esse teu gesto revela o teu interesse profundo
por este país, pela sua cultura, dás-lhes palco e dás-nos a oportunidade de
conhecer melhor este coro, que não seria possível de outro modo, aqui no Norte.
Ser património é lindo, mas normalmente ganha mofo por ter público reduzido, e
tu abres-lhes portas para o mundo e dás-lhes espaço na identidade dos teus fãs.
Tivemos uma visão em plano picado sobre o palco e ver todos aqueles homens
alinhados no fundo do mesmo, simultaneamente tão discretos e tão presentes,
geraram momentos únicos e fortes, que ficam registados na nossa memória e
reforçam a nossa identidade. Parabéns Paulo Ribeiro.
E tu, Pedro,
continuas a sublinhar incansávelmente a mensagem de paz, amor e tolerância,
cada vez mais necessária e oportuna nos dias que correm. Foi um grande
espectáculo com várias vertentes, a música, os silêncios, os ritmos, a luz e as
palavras, em comunhão com os espectadores e o espaço fantástico do nosso
Coliseu, que contém tantas histórias desta cidade. Valeu a pena deixar o Reino
Maravilhoso e vir até aqui. Aplauso, obrigada Pedro. Que o amor nos salve! Nós
teremos sempre o desejo de te ver novamente, não pares de nos surpreender.
(14/04/2023)
[1]
O Grupo Coral e Etnográfico “Os Camponeses de Pias” foi criado em 1968 para
divulgar as modas da sua terra. Cantaram com Vitorino, Janita Salomé, Lua
Extravagente, Rio Grande, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Farró Brabo, Ala dos
Namorados e João Gil. O Cante alentejano
foi classificado como Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO
em 27 de novembro de 2014.
Quanto às origens há duas
possibilidades: 1 - cantes árabes sefarditas, levados para Marrocos pelos
judeus expulsos da Península Ibérica no séc. XVI; 2 - canto bizantino, filiado
nas liturgias ortodoxas; 3 - ligação a
cânticos religiosos nascido eventualmente nas escolas claustrais da Sé de
Évora.
… A paz, o pão, habitação, saúde… educação…
Andamos a navegar neste refrão de uma música do
Sérgio Godinho há quase cinquenta anos, de olhos vendados, ouvidos tapados e
boca fechada.
Agora estamos com pouca paz, Zelensky pretende cada
vez mais armas, o pão está caro, porém variado, pão biju, da avó, de água, de
beterraba, de girassol, de alfarroba, da aldeia, brioche…, com pouca habitação,
com um SNS a precisar de melhoramentos urgentes (assinale-se que antes nada
existia,… qual serviço nacional de saúde, qual carapuça!), e na educação
estamos com os professores descontentes, porque se sentem desvalorizados,
explorados, exaustos e em vias de extinção e com o ministro ocupado a destruir
a Escola Pública.
Sobre a falta de habitação, em 50 anos ainda não se
conseguiu criar estratégias capazes de resolver o problema. Parece-me que balizam
uma guerra entre os inquilinos coitadinhos e os mauzões dos senhorios, um
confronto regulamentado por legislação completamente incoerente, que não serve,
nem uns, nem outros, e o Estado de fora a ver e a sorrir.
Esquecem-se as políticas de desenvolvimento social
inexistentes, esquecem-se do crescimento desordenado das cidades e os
territórios especulativos permitidos e, esquecem-se de que vivemos num país onde
os sucessivos governos não investem onde é necessário e viraram completamente
este país ao Turismo internacional. Logo após Abril, resolveram-se muitos casos
problemáticas com associações de moradores, e cooperativas de habitação, no
entanto, [há sempre um no entanto], esvaziando progressivamente as zonas mais
antigas das cidades, atirando os moradores para as periferias. No centro das cidades ficaram os escritórios,
os bancos na época áurea, e a habitação cara. Fecharam-se lojas, todo o
paradigma ligado ao comércio alterou-se profundamente. Já se esqueceram?
Até que o centro das cidades começou a cheirar a
mofo, a ratos e a degradação. Inventou-se a publicidade do turismo, “Passe as
férias em Portugal”, lembram-se dos grandes vídeos promovidos nas feiras de turismo? Incentivou-se
o alojamento local, felizmente, os centros históricos sofreram um refresh, à
base da desinfecção, limpeza, muito pladour e algumas alterações estruturais.
Mudança que não agrada a muitos – primeiro eram os ratos, falta de iluminação,
a decadência, agora porque fazem barulho e falam outras línguas. Para mim é
melhor ter centros históricos renovados e vivenciados, do que abandonados.
Há quem pense que os proprietários deveriam ser
obrigados a fazer obras, e tal, e tal. Os que usam esta retórica, desconhecem
que cada caso é um caso, e cada proprietário tem um perfil, alguns deles estão
bem na vida, com dinheiro para investir, mas são cautelosos nos seus investimentos, porque o mundo do
imobiliário tem solo pantanoso, é perigoso e cheio de truques e armadilhas, com
muitos negócios obscuros pelo meio e rapidamente um rico, pode transforma-se
num pobre cheio de dívidas; também há proprietários completamente falidos a
viver ao nível de pobreza dos inquilinos pobres. Investidores que viviam das
suas rendas de imóveis alugados antes de 70, viram essas rendas congeladas há
50 anos e hoje, depois de muitas considerações e decretos leis podem estar a
receber por um andar bem localizado no centro de uma cidade, uma mísera renda
de 50 euros.
Mas há pessoas que não têm casa!!! A minha geração,
para ter habitação ou economizou, ou com ajuda da família, comprou propriedade,
e outros com apoio de um empréstimo bancário, para a vida toda, comprou também
e os problemas aligeiraram.
Hoje os portugueses entre os 20 e os 40 anos não
querem casa própria. E por quê? Têm mau-feitio, não querem responsabilidades?
Evidente que não. As políticas deste país permitem que a maioria destes
portugueses têm trabalho precário, conhecidas pelas gerações dos 700, recebendo
anos e anos, ordenados mínimos e ainda mais, sem poiso certo. Temos cidadãos
sem perspectiva de futuro, que são mão de obra barata e flutuante, impedidos de
investir em soluções de habitação permanente, com compromissos a longo prazo.
Esta situação torna visível o problema camuflado ao longo dos anos. Os jovens
de hoje contam também com outras circunstâncias, viajam mais, fazem mais vida
social, os valores alteraram-se e a estabilidade familiar pode não o ser.
Divulgam-se medidas, Programa Mais habitação,
mal estruturadas, para ocupar a comunicação social – é urgente esconder as
greves dos professores e as manifestações, oferecendo-se outro tema de
discussão, fácil de absorver a atenção dos media, porque não deve haver uma
família deste país, que não tenha este problema nas mãos – são os filhos que
não conseguem arrendar uma habitação e que continuam em casa dos pais, agora
com mais 1 ou 2 elementos, que são os (as) companheiros (as) e nos casos mais
complexos, os netos. O programa Mais
Habitação foi tirado da cartola, de forma inesperada e sem medir
consequências, fazendo aumentar, a desconfiança de proprietários e autarquias,
pondo em causa o crescimento do turismo e ameaçando o investimento estrangeiro.
Sem confiança não há mercado de arrendamento.
Afinal em que ficamos, querem turismo ou não?
Exigem-se arrendamentos coercivos. Alguém se convence
que os potenciais senhorios vão investir na construção de imóveis, sabendo que
terão renda condicionada? Todos os proprietários gostariam de ter os seus
investimentos reconhecidos e valorizados, com legislação clara que permita
navegação segura…. Obviamente que ninguém anda aqui para perder dinheiro, porém
os senhorios não têm que resolver o problema da habitação em Portugal. Eles
pagam impostos, eles fizeram as suas poupanças, pagaram os empréstimos, se os
houve, e não tem que ser pais e mães do Estado. É isto a propriedade privada. Os
senhorios não possuem nenhum compromisso com o Estado Português, nem com os
portugueses. A falha está no próprio Estado!
Uma parte da população, com menos recursos, vive em
condições habitacionais indignas, e isto exige boas soluções da parte do Estado
e não dos privados. Parece que precisamos de 50.000 habitações/ano …ouvi dizer
que os únicos que vão lucrar com estas novas medidas, são os advogados, e eu
acredito.
Salários baixos, juros altos e casas caras! Acordaram
agora? E agora? Sérgio Godinho anda a dizer isto há 50 anos.
Para terminar, apresento números, e depois cada um que pense o que quiser. A habitação social e o parque habitacional - Portugal com 2,5%; na Holanda com 30%, na Áustria com 24%, Dinamarca com 20%, Suécia com 19%, França com 17%.
Publicado em NVR, 12/04/2023