PROFESSORES EM LUTA
Volto à rua, integrando
uma grande manifestação de professores na cidade do Porto. Encontro-me a pouco
tempo da aposentação e estou de alma e coração nesta luta, porque a considero
justa e porque me sinto preocupada com a evolução negativa da Escola Pública.
Há muitos anos, António
Guterres tinha como paixão, a Educação. Hoje
temos um governo, também socialista, que atrofia a paixão, transformando-a
provavelmente em ódio. Desde a ministra Maria de Lurdes que se vem construindo
um caminho completamente absurdo e perigoso, desvalorizando os professores e a
Escola Pública, certamente de forma não ingénua - uma má Escola Pública, favorece
o ensino privado e abre caminho para um Estado futuro, com trabalhadores sem
capacidade para desenvolver trabalho remunerado acima do ordenado mínimo.
Entristece-me este projecto de sociedade.
O que mais me indignou
nos últimos tempos, foi a tutela referir que vai fazer contas sobre o impacto financeiro
resultante da recuperação do tempo de serviço de 6 anos, 6 meses e 23 dias.
Temos ministros de más contas ou de maus princípios. Venha o diabo e escolha!
Uns dizem que a recuperação do tempo de serviço dos professores custa 1300
milhões ao ano, o Ministério das Finanças diz que a recuperação custaria 331
milhões, outro diz que estão a fazer as contas.
O que andará a fazer o
Ministério da Educação? Então isto não seria uma matéria já há muito estudada?
Como se atrevem a recusar a contagem e a apelar à impossibilidade, se ainda não
fizeram contas a sério?
Desço a Rua de Sta
Catarina, Rua Passos Manuel até à Avenida dos Aliados e aproveito para ir
reflectindo. Uma colega leva connosco a filha quase adulta e um dos primeiros
comentários da mesma, é referir que só vê pessoas velhas, e é verdade. Olho em
volta e verifico que todos os professores homens têm cabelos brancos e as
mulheres estão cada vez mais loiras, porque os pintam, e quase todos têm, o
chamado código de barras, sobre o lábio superior. Todos têm mais de quarenta
anos, e o maior grupo é constituído por professores com mais de cinquenta anos.
No grupo onde eu sigo, comenta-se que já não viam uma colega grávida há anos.
Isto significa que esta é uma classe altamente envelhecida. Na minha escola era
vulgar, no início do ano lectivo, os colegas perguntarem se tínhamos o manual x
ou y, para cedermos aos seus filhos em idade escolar. Já não me pedem manuais
há muito anos. Nos jantares de Natal da escola antiga, muito professores
levavam os filhos pequenos, hoje vão sozinhos, porque só há os netos ou bisnetos
a achar piada às festas de Natal. Os filhos são adultos, muitos deles emigraram,
percebendo que teriam melhor qualidade de vida noutro país. Antes, uma
professora apresentava um atestado de médico para prolongamento da baixa médica
resultante de um parto, hoje os atestados são por exaustão, depressão, síndrome
de burnout, cirurgia às varizes e à coluna, cancros e outras doenças de idosos.
Hoje as professoras pintam as unhas com gel, mas infelizmente os seus dedos já
não são elegantes, estão tortos devido às artroses. As salas de professores
foram convertidas em espaços tipo call center, onde os computadores já muito
usados e ultrapassados recebem das mãos dos professores, centenas de dados para
entrarem em plataformas, webquests, e-mails e drives, alimentando
constantemente o “monstro burocrático” e deixando pegada digital de evidências,
preocupados com a sua avaliação, que terá grande probabilidade de não se
traduzir em progressão na carreira profissional.
No percurso da
manifestação é evidente a determinação de todos, clamando “não paramos, não
paramos”.
Reforço mais uma vez a
ideia, que a Escola vive um momento especial e único. A luta não está centrada
nos sindicatos e é inútil criar e alimentar quezílias entre estes, porque os
professores permanecerão unidos para lutar. Cada momento de negociação enfurece
ainda mais esta classe profissional, que se sente manipulada e enganada. E a
tentativa de virar pais contra professores não será bem-sucedida, porque
felizmente os pais já perceberam que o que está em causa é a Escola Pública,
portanto vai tocar-lhes directamente, mais ano, menos ano.
Chego à Avenida dos Aliados,
após 90 minutos de percurso, e recordo outras manifestações em que participei
naquele local. Lembro-me que este local, há 40 anos, foi palco de um 1º de Maio
sangrento (1982) com Ângelo Correia, como Ministro da Administração Interna, a
dar ordens à polícia de intervenção (os mais jovens que investiguem, porque ele
ainda anda por aí nos canais televisivos a debitar “sabedoria”). O direito à
greve dos professores já foi eliminado através dos serviços mínimos, para os
quais são convocados todos os professores, agora só falta soltar a polícia contra
os manifestantes, com extralongos e a disparar balas de borracha, que afinal
são balas a sério, disparadas à altura da cabeça. Espero que não.
Publicado em NVR 8|03|2023
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