25 março, 2023
22 março, 2023
Anónimos com nome [1]
Anónimos com nome [1]
A chave não estava na
carteira, tinha ficado no interior de casa, quando saí à pressa, bati a porta e
pronto. Imaginei apelar para os bombeiros para entrarem por uma varanda localizada
na traseira da casa, e partir um vidro, para depois conseguir aceder ao
interior da mesma. O tempo para reparar o estrago e os euros a saírem da conta bancária,
para substituir um vidro duplo de grandes dimensões, começaram também a ocupar
o meu raciocínio, para além da estratégia sobre a forma de tapar,
temporariamente, o buraco a fazer no vidro. Já eram quase dezoito horas de
sexta-feira.
Telefonei para os
bombeiros, depois das explicações necessárias, rapidamente chegaram à minha rua.
Estranhei não trazerem o carro com escada para aceder a sítios altos. Entraram
no quintal, nas calmas, mal ouvindo as sugestões que eu tinha para apresentar,
sem considerar aquilo que eu ia falando, preocupada com a situação, temendo que
esta não se resolvesse rápido e houvesse estragos maiores.
- A chave está por
dentro na fechadura, ou não?
Parecia haver
diferença. Sabia lá eu!!! Um dos bombeiros retirou do bolso das calças um
cartão plastificado e fez as suas manobras de grande precisão, rapidamente
diagnosticou que a chave estava no interior, na fechadura. Não conseguiram
abrir a porta. Pensei que a opção dois, seria montar a escada para aceder à
varanda. Enganei-me, a solução chamava-se Serafim (nome inventado agora), em
versão anónima, que vivia a sua vida discretamente a destravar portas, a
desvendar fechaduras e a desenrascar pessoas que, num repentemente, ficavam do
lado de fora.
Ninguém gosta de
ficar do lado de fora. Fica-se com a ideia de exclusão, como se ficássemos
afastados de algo que parece importante, como se fosse uma área sombreada da
vida, onde não pretendemos estar. Ficar do lado de fora, implica haver dois
lados, e nós pretendemos estar dentro, neste caso, no aconchego do lar, no
espaço onde habitamos, onde temos os nossos objectos pessoais, onde retornamos,
todos os dias, pelo menos para descansar; o nosso espaço que consideramos
seguro, para poder desligar, dormir, sem que nos vigiem, sem que nos ataquem,
sem que ponham em risco a nossa segurança. Este processo de defesa, é o que
verdadeiramente nos preocupa desde que o mundo é mundo – estar em segurança.
Para
Serafim, fechaduras não tinham segredos - trincos, linguetas, canhões, cilindros
- nem de carros, nem de casas, nem de cofres. Alto, a rondar os cinquenta anos,
com um olho meio pisco e mãos ágeis, demorava menos tempo a abrir uma porta sem
chave, do que eu com a chave certa. Sem alarde, sem aparato, discretamente, tal
como procedia na outra vida, chegava, e com qualquer coisa que transportava no
bolso, fazia a magia de abrir o que permanecia encerrado. Só se deslocava aos
domicílios, com conhecimento da polícia, com tudo bem identificado, para não haver
problemas, nem para ele, nem para os seus clientes. Esteve detido várias vezes,
até que resolveu transformar a sua arte, em profissão legal. Desconheço como se
chama a sua profissão, se está catalogada no Ministério das Finanças, mas que
dá jeito, dá. Foi Serafim quem abriu a porta num piscar de olhos, requerendo
isolamento, porque não pretende ensinar nada a ninguém – foram muitos anos a
investir nesta causa, de forma clandestina e com consequências penosas. Todos
se afastaram, e olharam para o lado, enquanto Serafim explorava a anatomia da
fechadura e recorrendo a parcos recursos, que eu também não vi, abriu a porta, sem
arranhão, nem amasso.
Outro
dia qualquer, uma forte corrente de ar, empurrou quase todas as portas aqui de
casa e uma delas bateu com tanta força e estrondo, que nunca mais abriu. Primeiro
procurei pelos parafusos, que ficaram escondidos com a porta fechada, e depois
em desespero de causa, experimentei o cartão plastificado e o gancho de cabelo
sem norte, sem técnica e sem sucesso. Apresentava-se ali um serviço para o
senhor Serafim, o meu anónimo “destrava fechaduras”, que sabe mais do que o
engenheiro que as inventou e é mais rápido do que eu a procurar as chaves e a
abrir as portas com as chaves certas. Neste caso uma porta interior, pensei que
ele até se iria rir do serviço solicitado, bastaria tocar-lhe e com um clip
resolveria o problema.
Lá
veio o Sr. Serafim, sempre conectado com a polícia, dizendo onde estava e com
quem – o GPS da legalidade. Desta vez o diagnóstico foi mais complexo e saiu da
minha previsibilidade.
-
Tenho que ir buscar uma “rebarbadeira”!
-
Credo vai-me destruir a porta?! Já não existe a carpintaria onde comprei as
portas.
- Só lhe vou serrar o
trinco e depois precisa trocar a fechadura.
- Peço-lhe, traga já
a fechadura nova.
E tudo foi explicado
pelo telemóvel para quem estava do outro lado a controlar. Ainda hoje, conservo
o contacto deste anónimo, que merece a medalha do desenrascanço.
Anónimos com nome [1]
A chave não estava na
carteira, tinha ficado no interior de casa, quando saí à pressa, bati a porta e
pronto. Imaginei apelar para os bombeiros para entrarem por uma varanda localizada
na traseira da casa, e partir um vidro, para depois conseguir aceder ao
interior da mesma. O tempo para reparar o estrago e os euros a saírem da conta bancária,
para substituir um vidro duplo de grandes dimensões, começaram também a ocupar
o meu raciocínio, para além da estratégia sobre a forma de tapar,
temporariamente, o buraco a fazer no vidro. Já eram quase dezoito horas de
sexta-feira.
Telefonei para os
bombeiros, depois das explicações necessárias, rapidamente chegaram à minha rua.
Estranhei não trazerem o carro com escada para aceder a sítios altos. Entraram
no quintal, nas calmas, mal ouvindo as sugestões que eu tinha para apresentar,
sem considerar aquilo que eu ia falando, preocupada com a situação, temendo que
esta não se resolvesse rápido e houvesse estragos maiores.
- A chave está por
dentro na fechadura, ou não?
Parecia haver
diferença. Sabia lá eu!!! Um dos bombeiros retirou do bolso das calças um
cartão plastificado e fez as suas manobras de grande precisão, rapidamente
diagnosticou que a chave estava no interior, na fechadura. Não conseguiram
abrir a porta. Pensei que a opção dois, seria montar a escada para aceder à
varanda. Enganei-me, a solução chamava-se Serafim (nome inventado agora), em
versão anónima, que vivia a sua vida discretamente a destravar portas, a
desvendar fechaduras e a desenrascar pessoas que, num repentemente, ficavam do
lado de fora.
Ninguém gosta de
ficar do lado de fora. Fica-se com a ideia de exclusão, como se ficássemos
afastados de algo que parece importante, como se fosse uma área sombreada da
vida, onde não pretendemos estar. Ficar do lado de fora, implica haver dois
lados, e nós pretendemos estar dentro, neste caso, no aconchego do lar, no
espaço onde habitamos, onde temos os nossos objectos pessoais, onde retornamos,
todos os dias, pelo menos para descansar; o nosso espaço que consideramos
seguro, para poder desligar, dormir, sem que nos vigiem, sem que nos ataquem,
sem que ponham em risco a nossa segurança. Este processo de defesa, é o que
verdadeiramente nos preocupa desde que o mundo é mundo – estar em segurança.
Para
Serafim, fechaduras não tinham segredos - trincos, linguetas, canhões, cilindros
- nem de carros, nem de casas, nem de cofres. Alto, a rondar os cinquenta anos,
com um olho meio pisco e mãos ágeis, demorava menos tempo a abrir uma porta sem
chave, do que eu com a chave certa. Sem alarde, sem aparato, discretamente, tal
como procedia na outra vida, chegava, e com qualquer coisa que transportava no
bolso, fazia a magia de abrir o que permanecia encerrado. Só se deslocava aos
domicílios, com conhecimento da polícia, com tudo bem identificado, para não haver
problemas, nem para ele, nem para os seus clientes. Esteve detido várias vezes,
até que resolveu transformar a sua arte, em profissão legal. Desconheço como se
chama a sua profissão, se está catalogada no Ministério das Finanças, mas que
dá jeito, dá. Foi Serafim quem abriu a porta num piscar de olhos, requerendo
isolamento, porque não pretende ensinar nada a ninguém – foram muitos anos a
investir nesta causa, de forma clandestina e com consequências penosas. Todos
se afastaram, e olharam para o lado, enquanto Serafim explorava a anatomia da
fechadura e recorrendo a parcos recursos, que eu também não vi, abriu a porta, sem
arranhão, nem amasso.
Outro
dia qualquer, uma forte corrente de ar, empurrou quase todas as portas aqui de
casa e uma delas bateu com tanta força e estrondo, que nunca mais abriu. Primeiro
procurei pelos parafusos, que ficaram escondidos com a porta fechada, e depois
em desespero de causa, experimentei o cartão plastificado e o gancho de cabelo
sem norte, sem técnica e sem sucesso. Apresentava-se ali um serviço para o
senhor Serafim, o meu anónimo “destrava fechaduras”, que sabe mais do que o
engenheiro que as inventou e é mais rápido do que eu a procurar as chaves e a
abrir as portas com as chaves certas. Neste caso uma porta interior, pensei que
ele até se iria rir do serviço solicitado, bastaria tocar-lhe e com um clip
resolveria o problema.
Lá
veio o Sr. Serafim, sempre conectado com a polícia, dizendo onde estava e com
quem – o GPS da legalidade. Desta vez o diagnóstico foi mais complexo e saiu da
minha previsibilidade.
-
Tenho que ir buscar uma “rebarbadeira”!
-
Credo vai-me destruir a porta?! Já não existe a carpintaria onde comprei as
portas.
- Só lhe vou serrar o
trinco e depois precisa trocar a fechadura.
- Peço-lhe, traga já
a fechadura nova.
E tudo foi explicado
pelo telemóvel para quem estava do outro lado a controlar. Ainda hoje, conservo
o contacto deste anónimo, que merece a medalha do desenrascanço.
Publicado em NVR, 23/03/2023
21 março, 2023
19 março, 2023
Escada
Não é um sonho, é uma escada. Por aqui deve haver às dezenas. O centro de Riga contém vários edifícios de art nouveau, uma delícia para o olhar. Subi esta escada e tive oportunidade de visitar um dos apartamentos que ainda se encontra com decoração original. (...)
12/08/2019 Diário de Viagem. Riga.
15 março, 2023
Como perdoar a pedofilia?
Como perdoar a pedofilia?
A Comissão Independente para o Estudo
dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica validou 512 dos 564
testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de
vítimas da ordem das 4.815.
A Igreja pretende tapar
o sol com uma peneira de cinismo e hipocrisia, edificada ao longo de séculos. Onde
está a ética e os valores do catolicismo? Está tudo ao contrário do que deveria
estar. Vivi uma semana completamente estupefacta com a reacção da Igreja, aos casos
de pedofilia apontados a alguns membros desta.
A Igreja perde
credibilidade diariamente. Eu, que sou agnóstica, nunca me senti tão incomodada
com as posições de alguns elementos da Igreja, como estas conferências de
imprensa, dadas no início da semana anterior. Por vezes até brincava, afirmando
que apesar de ser agnóstica, andava a ganhar pontos para entrar no paraíso,
visitando igrejas e conventos. Depois disto, nem me apetece visitar igrejas,
nem me apetece continuar baptizada, porque não pretendo contar para o número de
católicos deste país.
Um acto de pedofilia
perdoa-se e pronto?! Rezam-se 30 ave-marias todos os dias de joelhos e já
está?! Mas que Igreja é esta?
Daniel Sampaio afirmou
publicamente: “A Igreja não se colocou do lado das vítimas”. E é verdade.
Andamos nós a pagar
palcos, jornadas da juventude, a respeitar os senhores vestidos de preto com
cabeção, Fátima e rituais, para isto! Justiça misturada com perdão, misericórdia,
contradições intoleráveis e encobrimento? Cada caso é um caso, obviamente. Mas
que provas faltam? Como se perdoam pedófilos? Nem dentro, nem fora da igreja,
mas parece que estes, dentro de igreja, serão protegidos pelo Cardeal Patriarca.
A Igreja mentiu quando referiu que nada pode fazer.
A Igreja goza de uma impunidade
escandalosa, que protege abusadores, sem empatia para quem sofreu abusos. Eu
esperava mais da Igreja, não em relação à empatia para com as vítimas, se assim
fosse, este crime estaria resolvido há muito tempo, mas pensava que fariam tudo
para não espantar o rebanho. A Igreja sempre soube dessas práticas, não foi ela
que inventou o acto da confissão que controla tudo e todos? e já teve muito
tempo para reflectir, para filtrar e eliminar os praticantes, e o que dá ideia,
é que sabem que esta é a ponta do iceberg da imoralidade, e temem, que, de
arrasto, virão outros casos que não foram denunciados. A Igreja parece um navio
sem rota, perdido no oceano, incapaz de se reorganizar porque sempre pensou que
dominaria as sociedades que são tementes a Deus. As dioceses trabalham a várias
velocidades e por quê? Poderemos pensar tudo, de bom ou de mau, ou é excesso de
rigor e de verdade ou ganham tempo para safar a pele de alguns?
E os casos que
prescreveram ou abusadores que já faleceram, merecem a mesma atenção e rigor, para
com vítimas ainda a indemnizar. Segundo percebi, esta parte também não agrada
ao Papa Francisco que divulga a TOLERÂNCIA ZERO, porém, pretende ilibar a
Igreja da responsabilidade das indemnizações. Que mau! Que decepção.
“Isto não está a ser
muito católico”, como diz o indecifrável bispo de Beja. Claro que não, as
vítimas foram secundarizadas, mais uma vez, agora na compaixão, pela mesma
identidade, a Igreja.
Espero que outras vítimas
ganhem força para a denúncia. Eu nem posso recordar a entrevista do bispo de Beja
– repugnante. A Igreja está mais preocupada
em salvar a sua imagem, do que proteger as vítimas. Somos todos pecadores? Alto
e pára o baile! eu nunca fui pedófila, nem criminosa, nem corrupta. Iguais???!!!!
NUNCA.
A Igreja tem metido os
pés pelas mãos e tem vindo a corrigir a sua verborreia, de forma reactiva à
opinião publica, mas creio que já vai tarde.
Tenho família e amigos
católicos e verifico o seu desconforto perante este tema, estão sem argumentos
perante este encobrimento escabroso, receando o colapso desta instituição,
quase um projeto de vida de cada um deles.
E aqueles que dizem, “mas
na família a pedofilia é muito pior”. Esses são miseráveis, nenhuma situação
desculpabiliza outra.
Publicado em NVR 15/03/2023
14 março, 2023
MEUS AMIGOS
Um grande abraço de gratidão a
todos que me felicitaram.
Habituei-me a reservar tempo para
meditar. Penso no que faço, no que me acontece, no bem que posso eventualmente
proporcionar aos outros, penso nas minhas angústias, nos meus medos, nos meus
erros e penso obrigatoriamente em quem gosta de mim, os meus amigos:
- Aqueles que aceitam as minhas
gargalhadas e os meus momentos de mau humor, aqueles que pensam como eu e
aqueles que pensam de forma diferente, mas que sabem construir empatias comigo.
Admiro aqueles que ouvem
pacientemente as minhas teorias surreais e absurdas, as quais se concluem com
dois belos sorrisos, e que me põem a pensar na minha loucura amadurecida à
força do tempo. Considero a tolerância de alguns, perante as minhas provocações
e o meu sentido de humor, por vezes cáustico, que me faz explorar o fio da
navalha, sem nunca desrespeitar o outro, mas intencionalmente o faz sair da sua
zona de conforto. Penso naqueles que me ajudam em pequenos pormenores, para que
grandes projetos sejam bem-sucedidos.
São todos importantes para mim.
Não gosto de vos juntar, porque
cada um tem a sua circunstância que eu respeito e não gosto de a partilhar com
ninguém. No fundo talvez seja invejosa e ciumenta de vós. Penso que ainda não
inventaram palavras mais bonitas para definir esta atitude. Quero-vos só para
mim. Porque cada um conhece as minhas fragilidades, tranquiliza as minhas
problemáticas mal resolvidas, e reforça o meu mundo interior multifacetado. Protegem
a minha orfandade crónica, tentam enraizar-me em terras que não são minhas e
desenham-me outros céus que eu poderia adoptar, mesmo sabendo que nada passa de
uma ilusão infinita.
Os meus amigos sempre secam as
minhas lágrimas que raramente se vertem, mas que alguns vislumbram entre
palavras e olhares. Todos acarinham as minhas utopias, o meu amor platónico por
aquilo que nunca foi e tentam entender o meu descompasso com a vida e os
preconceitos que não tenho. Penso que não seria eu, sem todos vós. A amizade é
como uma doença “contagiosa” que deixa sempre algo no outro, e isso é bom,
porque nos torna cada vez mais humanos e mais conformados com as incertezas.
Uns telefonam, outros esperam-me
para jantar, outros enviam mensagens e outros sei que me pensam, e isso é tão
bom! Uns conhecem-me pelo meu nome, outros chamam-me papa-museus, Árthemis, Jopilinha,
Senhora dos anéis, Ana d’Or, Maga Patalógica… todos são nomes carinhosos, que
um dia tenho que adicioná-los ao meu cartão de cidadão. O nome pouco interessa,
interessa é a nossa convergência. Apesar das minhas contradições sou-vos sempre
leal.
Grata por tudo, um dia ganho
coragem e junto todos.
Nota: Peço desculpa por não memorizar
datas de aniversário, para quem não felicitei, felicito agora.
12 março, 2023
10 março, 2023
08 março, 2023
PROFESSORES EM LUTA
PROFESSORES EM LUTA
Volto à rua, integrando
uma grande manifestação de professores na cidade do Porto. Encontro-me a pouco
tempo da aposentação e estou de alma e coração nesta luta, porque a considero
justa e porque me sinto preocupada com a evolução negativa da Escola Pública.
Há muitos anos, António
Guterres tinha como paixão, a Educação. Hoje
temos um governo, também socialista, que atrofia a paixão, transformando-a
provavelmente em ódio. Desde a ministra Maria de Lurdes que se vem construindo
um caminho completamente absurdo e perigoso, desvalorizando os professores e a
Escola Pública, certamente de forma não ingénua - uma má Escola Pública, favorece
o ensino privado e abre caminho para um Estado futuro, com trabalhadores sem
capacidade para desenvolver trabalho remunerado acima do ordenado mínimo.
Entristece-me este projecto de sociedade.
O que mais me indignou
nos últimos tempos, foi a tutela referir que vai fazer contas sobre o impacto financeiro
resultante da recuperação do tempo de serviço de 6 anos, 6 meses e 23 dias.
Temos ministros de más contas ou de maus princípios. Venha o diabo e escolha!
Uns dizem que a recuperação do tempo de serviço dos professores custa 1300
milhões ao ano, o Ministério das Finanças diz que a recuperação custaria 331
milhões, outro diz que estão a fazer as contas.
O que andará a fazer o
Ministério da Educação? Então isto não seria uma matéria já há muito estudada?
Como se atrevem a recusar a contagem e a apelar à impossibilidade, se ainda não
fizeram contas a sério?
Desço a Rua de Sta
Catarina, Rua Passos Manuel até à Avenida dos Aliados e aproveito para ir
reflectindo. Uma colega leva connosco a filha quase adulta e um dos primeiros
comentários da mesma, é referir que só vê pessoas velhas, e é verdade. Olho em
volta e verifico que todos os professores homens têm cabelos brancos e as
mulheres estão cada vez mais loiras, porque os pintam, e quase todos têm, o
chamado código de barras, sobre o lábio superior. Todos têm mais de quarenta
anos, e o maior grupo é constituído por professores com mais de cinquenta anos.
No grupo onde eu sigo, comenta-se que já não viam uma colega grávida há anos.
Isto significa que esta é uma classe altamente envelhecida. Na minha escola era
vulgar, no início do ano lectivo, os colegas perguntarem se tínhamos o manual x
ou y, para cedermos aos seus filhos em idade escolar. Já não me pedem manuais
há muito anos. Nos jantares de Natal da escola antiga, muito professores
levavam os filhos pequenos, hoje vão sozinhos, porque só há os netos ou bisnetos
a achar piada às festas de Natal. Os filhos são adultos, muitos deles emigraram,
percebendo que teriam melhor qualidade de vida noutro país. Antes, uma
professora apresentava um atestado de médico para prolongamento da baixa médica
resultante de um parto, hoje os atestados são por exaustão, depressão, síndrome
de burnout, cirurgia às varizes e à coluna, cancros e outras doenças de idosos.
Hoje as professoras pintam as unhas com gel, mas infelizmente os seus dedos já
não são elegantes, estão tortos devido às artroses. As salas de professores
foram convertidas em espaços tipo call center, onde os computadores já muito
usados e ultrapassados recebem das mãos dos professores, centenas de dados para
entrarem em plataformas, webquests, e-mails e drives, alimentando
constantemente o “monstro burocrático” e deixando pegada digital de evidências,
preocupados com a sua avaliação, que terá grande probabilidade de não se
traduzir em progressão na carreira profissional.
No percurso da
manifestação é evidente a determinação de todos, clamando “não paramos, não
paramos”.
Reforço mais uma vez a
ideia, que a Escola vive um momento especial e único. A luta não está centrada
nos sindicatos e é inútil criar e alimentar quezílias entre estes, porque os
professores permanecerão unidos para lutar. Cada momento de negociação enfurece
ainda mais esta classe profissional, que se sente manipulada e enganada. E a
tentativa de virar pais contra professores não será bem-sucedida, porque
felizmente os pais já perceberam que o que está em causa é a Escola Pública,
portanto vai tocar-lhes directamente, mais ano, menos ano.
Chego à Avenida dos Aliados,
após 90 minutos de percurso, e recordo outras manifestações em que participei
naquele local. Lembro-me que este local, há 40 anos, foi palco de um 1º de Maio
sangrento (1982) com Ângelo Correia, como Ministro da Administração Interna, a
dar ordens à polícia de intervenção (os mais jovens que investiguem, porque ele
ainda anda por aí nos canais televisivos a debitar “sabedoria”). O direito à
greve dos professores já foi eliminado através dos serviços mínimos, para os
quais são convocados todos os professores, agora só falta soltar a polícia contra
os manifestantes, com extralongos e a disparar balas de borracha, que afinal
são balas a sério, disparadas à altura da cabeça. Espero que não.
Publicado em NVR 8|03|2023
Querida São, então que tal?
[Hoje dia da mulher decidi
escrever a uma mulher que muito admiro.]
Querida São, Então
que tal?
Nós andamos do jeito que
Deus quer
Entre dias que passam menos
mal
Lá vem um que nos dá mais
que fazer…
(onde é que eu ouvi isto? Vou
activar o outro neurónio.)
Encontrei-te
apenas uma vez, mas li-te imensas vezes, ouvi outros falando sempre bem de ti e
arranjei mais um espaço no meu coração que te pertence, para te ter sempre à
mão dos afectos.
Marcamos
encontro em Lisboa, num shopping qualquer e mergulhei na doçura do teu olhar,
algo infinito em ti. Foi um encontro em que todos os relógios e ampulhetas
pararam, porque tinham de parar, o tempo ficou sem tempo, tipo aquele mané dos
relógios derretidos, derretido com o teu encanto e magia, também ele
surpreendido pela estrutura do afecto que cresceu em nós.
Lamento viver
longe. Não posso fazer-te um pouco de companhia e oferecer-te um pouco deste
meu sentido de humor, caústico, mas que por vezes, diverte.
Neste momento
estás presa num sítio com um cadeado do ”camandro”. O Outro lá em cima, anda
distraído e parece que esqueceu que até aqui na terra, já se inventou WD40.
Temos que O desculpar, já tem muita idade e as sinergias lá em cima não devem
ser fáceis de gerir!
… mas tudo é
relativo, porque nunca te prenderão as asas e os afectos. Fizeste da tua vida
uma lavoura de ajuda e de solidariedade, dedicada sempre ao outro, aos mais
frágeis e aos mais desamparados. Continuas a ser uma semeadora de afectos. Para
semear afectos apenas precisas de viver, de existir, pois só tu conheces as
ferramentas mágicas que utilizas para esse fim. Um dia terás de me ensinar. Suponho
serem linhas ondulantes universais, que nos envolvem, não por compaixão, mas
sim por seres a Mulher extraordinária que és. Simpática, bonita, com sentido de
humor, uma bailarina em pensamento, sempre em luta pelo Bem. Tu serás a Sininho
do século XXI com pózinhos de perlimpimpim?
No Dia da Mulher
sempre crio um texto a lembrar a nossa causa. Este ano decidi que escreveria para
ti, partilhando com os meus amigos, para eles perceberem quem é a São Branca, que alguns já ouviram
falar, uma MULHER com letra maiúscula, de cérebro ativo e pensamento ligeiro,
que me descobriu com o meu pseudónimo de Árthemis. Alguns enviar-te-ão um beijinho
em pensamento. Cada beijinho se transformará numa pequena estrela e irá aterrar aí junto de ti, tipo Disney Peter Pan…. Ehehe ainda gosto de sonhar. Um
xi <3 minha amiga São Correia.
05 março, 2023
04 março, 2023
01 março, 2023
A espiral
A espiral
A espiral ou linha do
caracol é das formas que mais me seduzem e acabei por adoptá-la na minha vida
profissional e no resto da vida que se vive no dia a dia e nem classificação
tem.
Uma linha que parte
de um ponto e nunca se sabe onde termina. O seu traçado é infinito, algo de
dimensão universal. Há poucos dias encontrei-a desenhada num bloco de granito,
como marca do mestre pedreiro, o que me fez recuar até à Idade Média. Utilizo-a
como assinatura em fotografias especiais e utilizo-a como sinónimo gráfico à
palavra dialéctica, ou seja, o caminho entre as ideias, que nos levarão sempre
a ideias e conceitos novos.
A espiral pode converter-se
em algo místico, mágico e filosófico, levar-me-ia por caminhos que não domino,
certamente em direcção ao Grande Arquitecto de tudo isto.
Fiz uma rápida
pesquisa na net e encontrei a obra, “A dinâmica da espiral, uma aproximação
ao mistério de tudo”, de João Formosinho e J. Oliveira Branco, com 547
páginas e um índice, que começa “Da Mente à Cultura através da Arquitectura e
da Ciência” e termina na “A Dinâmica de Tudo” que assegurará a ocupação do meu
tempo de leitura e reflexão nos próximos meses.
A espiral é linha do
questionamento sobre a condição humana e tudo o que existe ou supomos existir. Essa
linha curva, aberta, sedutora, infinita e misteriosa, pode cruzar-se com a
arte, a filosofia, a ciência e a teologia. Uma linha misteriosa que mergulha na
criação do mundo e termina no infinito se ele de facto não existir.
A espiral é o traçado
geométrico que mais nos remete para a incerteza, mas também é a maior promessa
de futuro. Compreender uma espiral é entrar na dimensão temporal irreversível,
que talvez organize o universo.
Existem vários
traçados geométricos, os mais simples com apenas dois centros, que se convertem
numa espiral regular, para os mais modestos e menos exigentes, e as mais
complexas, cuja proporção se obtêm através de cálculos matemáticos
exponenciais, resultando a espiral de ouro, porque também se inicia no denominado
rectângulo de ouro.
Entramos assim num
cenário que alterou a história da arquitectura, e que nos ajuda a compreender a
monumentalidade e a beleza clássica da arquitectura da Grécia Antiga. Entrar
neste mundo intimida, porque descobrimos a ordem da natureza e alguns dos seus
mistérios.
E para que isto
interessa?
Talvez para nada, ou
para abrir caminhos para investigações individuais.
Quando chega o fim de
semana, pretendo quebrar rotinas, fico assim, não me apetece fazer as
refeições, não tenho lugares de culto para cumprir, e fico em sintonia ociosa comigo
mesma, a pensar em espirais… neste, especialmente, com neve nos pontos altos e adivinhando
o caos da solução apresentada, para resolver o problema da habitação em
Portugal. Entre espirais e melões, opto obviamente por espirais.
Para os mais crentes,
apenas informo que tive um acidente de trabalho há 15 meses e este Estado do
melão, ainda não me pagou as despesas de saúde que suportei. O Estado do melão demorou
6 meses para criar o meu processo de acidentada, imaginem os futuros processos
dos inquilinos e dos senhorios. Eu, que
sou muito Estado, não sei explicar, sinto-me em contradição e remeto-me para as
espirais, para não começar a comer os tapetes cá de casa e a contar os azulejos
da cozinha.
Publicado em NVR, 01|03|2023