ESCRAVIDÃO
A escravidão
existe desde há milhares de anos. Constituía uma prática comum e banal, o ser
humano assumir propriedade sobre outro ser humano, este último, denominado por
escravo. Este, ou era transacionado como um bem material, uma mercadoria em
melhor ou pior estado, ou era usufruído por ser um prisioneiro de guerra. O
proprietário poderia vender, comprar, agredir, trocar e dispor essencialmente
como mão-de-obra completamente gratuita. As transações faziam-se como se de um
animal se tratasse, apreciando a idade e a saúde através dos dentes, da
musculatura, das mãos e dos pés. Os velhos eram velhos, transportavam doenças,
sofriam de artrite e nada valiam – aliás, o período de validade de um escravo
africano que trabalhava nas plantações das Américas era de 5 anos, aos 30 anos
estavam “gastos”. As mulheres eram duplamente usadas, no trabalho e na
reprodução.
O comércio de
escravos, uniu continentes; África era o grande abastecedor do mundo, não só
através dos colonizadores, mas também de bolsas de comunidades negras onde era
praticada e explorada em continuidade.
A escravidão
era algo aceite pela sociedade, todos pareciam viver bem com isso, excepto os
escravos, obviamente. O facto de serem pagãos facilitava o acto de contrição
das religiões mais humanistas, tornando a escravidão mais justa perante Deus. Pensavam eles. No século XV, a Igreja
Católica condenou a escravidão – algo apenas teórico, sem efeitos práticos, visto
que no Brasil até ao século XIX, a Ordem dos Beneditinos era uma das maiores
proprietárias de escravos.
Em Portugal,
no século XV atingiu-se o auge desta prática.
Portugal foi o
primeiro país abolir a escravatura. Quando aprendi isso na escola, fiquei toda
orgulhosa, porque no meu espírito infantil, não cabia o conceito de se ser dono
de alguém, porém, esqueceram-se de me informar que Portugal foi um dos grandes
países do atlântico a fazer comércio global de escravos vindos de África e que
entre 1450 e 1900, terá traficado cerca de 11 milhões de pessoas.
Escravatura...
A abolição da
escravatura foi iniciada de forma muito rudimentar pelo Marquês de Pombal e só
se concluiu, de facto, a meio do século XIX.
Todos os relatos
que nos chegaram até aos nossos dias são epopeias de sofrimento, sadismo,
horror e desumanização, completamente inconcebíveis na contemporaneidade (será?),
muitas vezes associando escravidão com Inquisição.
Transcrevo
para múltiplas refexões:
[O padre encarregue do processo ainda lamenta não ter chegado
mais cedo ao local do crime. "Conheço muito bem as manhas dos escravos” –
diz ele nos autos – “eles fecham a boca para deixarem de respirar e morrerem.
Se tivesse chegado mais cedo, chegava-lhe fogo à boca, ela era obrigada a
respirar e não morria.”][1]
Outras formas
de escravatura surgiram e evoluíram. Homens e mulheres, rapazes e raparigas, vivem situações de
grande vulnerabilidade, são vítimas de
tráfico humano, servidão, trabalho forçado, trabalho infantil, casamento
forçado, exploração sexual, exploração para pagamento de dívida, bem como
outras formas de exploração - crimes que indignam e envergonham a nossa
condição de seres humanos.
E o problema
não é dos outros... é de cada um de nós! Cada um, quando nasce, conquista a oportunidade
de viver uma vida segura e livre. É impensável que um ser humano possa negar a
outro humano esses direitos básicos utilizando o medo, a ignorância e a
clandestinidade, para explorar, enganar, limitar as suas acções física e psicológica.
Em Portugal,
entre 2014 e 2015, o Observatório do Tráfico de Seres Humanos, do Ministério da
Administração Interna, sinalizou 193 presumíveis escravos e deu conta de 40
condenações de traficantes. E o que foi feito?
“POR QUE LUTAMOS CONTRA A ESCRAVIDÃO MODERNA
No Walk Free, lutamos para que os silenciados recuperem as suas
vozes. Há quem diga que o problema é muito difícil, que existem questões mais
urgentes ou que este é um desafio a ser resolvido pelos governos. Acreditamos
que nada é mais importante do que a vida humana. Podemos e devemos fazer tudo
ao nosso alcance para acabar com a escravidão moderna.”[2]
Este mês, fomos
desagradavelmente “surpreendidos” por mais um foco que denuncia práticas de
escravatura em Odemira. Quantos outros haverá? E nós preocupados, com proteção
de dados, liberdades individuais, audiências, futebol.... a Cimeira Social
Europeia a realizar no fim de semana no Porto, irá ignorar esta problemática?
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