11 maio, 2021

ESCRAVIDÃO

 


ESCRAVIDÃO

          A escravidão existe desde há milhares de anos. Constituía uma prática comum e banal, o ser humano assumir propriedade sobre outro ser humano, este último, denominado por escravo. Este, ou era transacionado como um bem material, uma mercadoria em melhor ou pior estado, ou era usufruído por ser um prisioneiro de guerra. O proprietário poderia vender, comprar, agredir, trocar e dispor essencialmente como mão-de-obra completamente gratuita. As transações faziam-se como se de um animal se tratasse, apreciando a idade e a saúde através dos dentes, da musculatura, das mãos e dos pés. Os velhos eram velhos, transportavam doenças, sofriam de artrite e nada valiam – aliás, o período de validade de um escravo africano que trabalhava nas plantações das Américas era de 5 anos, aos 30 anos estavam “gastos”. As mulheres eram duplamente usadas, no trabalho e na reprodução.

          O comércio de escravos, uniu continentes; África era o grande abastecedor do mundo, não só através dos colonizadores, mas também de bolsas de comunidades negras onde era praticada e explorada em continuidade.

          A escravidão era algo aceite pela sociedade, todos pareciam viver bem com isso, excepto os escravos, obviamente. O facto de serem pagãos facilitava o acto de contrição das religiões mais humanistas, tornando a escravidão      mais justa perante Deus. Pensavam eles. No século XV, a Igreja Católica condenou a escravidão – algo apenas teórico, sem efeitos práticos, visto que no Brasil até ao século XIX, a Ordem dos Beneditinos era uma das maiores proprietárias de escravos.

          Em Portugal, no século XV atingiu-se o auge desta prática.

          Portugal foi o primeiro país abolir a escravatura. Quando aprendi isso na escola, fiquei toda orgulhosa, porque no meu espírito infantil, não cabia o conceito de se ser dono de alguém, porém, esqueceram-se de me informar que Portugal foi um dos grandes países do atlântico a fazer comércio global de escravos vindos de África e que entre 1450 e 1900, terá traficado cerca de 11 milhões de pessoas.

          Escravatura...

          A abolição da escravatura foi iniciada de forma muito rudimentar pelo Marquês de Pombal e só se concluiu, de facto, a meio do século XIX.

          Todos os relatos que nos chegaram até aos nossos dias são epopeias de sofrimento, sadismo, horror e desumanização, completamente inconcebíveis na contemporaneidade (será?), muitas vezes associando escravidão com Inquisição.

          Transcrevo para múltiplas refexões:

[O padre encarregue do processo ainda lamenta não ter chegado mais cedo ao local do crime. "Conheço muito bem as manhas dos escravos” – diz ele nos autos – “eles fecham a boca para deixarem de respirar e morrerem. Se tivesse chegado mais cedo, chegava-lhe fogo à boca, ela era obrigada a respirar e não morria.”][1]

          Outras formas de escravatura surgiram e evoluíram. Homens e mulheres, rapazes e raparigas, vivem situações de grande  vulnerabilidade, são vítimas de tráfico humano, servidão, trabalho forçado, trabalho infantil, casamento forçado, exploração sexual, exploração para pagamento de dívida, bem como outras formas de exploração - crimes que indignam e envergonham a nossa condição de seres humanos.

          E o problema não é dos outros... é de cada um de nós! Cada um, quando nasce, conquista a oportunidade de viver uma vida segura e livre. É impensável que um ser humano possa negar a outro humano esses direitos básicos utilizando o medo, a ignorância e a clandestinidade, para explorar, enganar, limitar as suas acções física e psicológica.

          Em Portugal, entre 2014 e 2015, o Observatório do Tráfico de Seres Humanos, do Ministério da Administração Interna, sinalizou 193 presumíveis escravos e deu conta de 40 condenações de traficantes. E o que foi feito?

“POR QUE LUTAMOS CONTRA A ESCRAVIDÃO MODERNA

No Walk Free, lutamos para que os silenciados recuperem as suas vozes. Há quem diga que o problema é muito difícil, que existem questões mais urgentes ou que este é um desafio a ser resolvido pelos governos. Acreditamos que nada é mais importante do que a vida humana. Podemos e devemos fazer tudo ao nosso alcance para acabar com a escravidão moderna.”[2]

          Este mês, fomos desagradavelmente “surpreendidos” por mais um foco que denuncia práticas de escravatura em Odemira. Quantos outros haverá? E nós preocupados, com proteção de dados, liberdades individuais, audiências, futebol.... a Cimeira Social Europeia a realizar no fim de semana no Porto, irá ignorar esta problemática?



[1] https://rr.sapo.pt/2017/03/25/pais/a-ultima-escrava-portuguesa-morreu-em-lisboa-nos-anos-1930/noticia/79112/

[2]https://www.walkfree.org/

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