UTOPIAS
“A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me
dois passos, ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre
dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a
utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”– Fernando Birri, citado por Eduardo
Galeano in ‘Las palabras andantes?’ de Eduardo Galeano. publicado por Siglo
XXI, 1994.
Somos
sonhadores, temos esperança, porque acreditamos nestas palavras sobre a utopia.
Imaginamos outro mundo, acreditamos num mundo melhor e vamos esquecendo os maus
momentos e reinventamos os bons. Todos nós teremos as nossas utopias. Tudo
aquilo que desejamos e temos consciência que nunca atingiremos, fica guardado numa
gaveta com esse nome. Não fica esquecido, pelo contrário, é sempre aquela
luzinha que brilha para nós diariamente, fazendo-nos avançar, mesmo sabendo que
nunca chegaremos lá. É um farol que nos orienta no presente em direcção a um
futuro, que pode não ser aquilo que desejamos. Mas ela está lá, teimosamente
lembrando-se e lembrando-nos, recusando-se a integrar a memória descrita e justificativa
dos nossos projectos, mas sim, desenhando a espiral do sonho que nos faz estar
vivos. Se não acarinharmos essa utopia, a realidade converte-se em mais dura e
incompreensível, atando-nos os movimentos e tornando-nos cegos, mergulhados no
escuro desse caminho sem esperança de nada. Sem utopia caímos na resignação, o
nosso sorriso desfaz-se e a tolerância mirra. São muitos os desertos que
atravessamos na vida e os desertos não se atravessam sozinhos num contexto de
desesperança. Se abandonarmos a nossa utopia, seremos engolidos em plena noite
fria do deserto, abandonando o presente e o futuro, cairemos num vazio
existencial, incapaz de se suavizar quando escutamos a nossa identidade e ou
quando julgamos ver um oásis.
Existem
também as utopias da sociedade, que são tão antigas como a própria humanidade.
Perdemos a utopia da República de Platão, perdemos a utopia do Jardim do Éden,
apenas os cristãos ainda a possuem, perdemos a utopia de Atlântida, perdemos a utopia
de Thomas More no tempo das descobertas
de novos continentes e novos mundos, perdemos a utopia do Contrato Social de
Rousseau, perdemos a utopia do comunismo de Karl Marx e diáriamente perdemos a
utopia da sociedade neoliberal, que cada vez mais se traduz em contrastes
sociais… felizmente perdemos também as distopias do Nazismo e do Fascismo.
Hoje
o “descrédito” das utopias sociais leva-nos para a chamada retrotopia,
orientada pelo individualismo e pela busca do passado, como se fosse possível
enganar o tempo e repetir modelos, tal como os saudosistas pretendem e andam a
suspirar pelos cantos.
Caros
leitores começou a primavera boreal, esta é a única retrotopia em que acredito,
a renovação da vida e da natureza, que herdamos anualmente da tradição pagã e
nos faz abrir a gaveta das utopias e gerar mudanças em nós mesmos e sempre para
melhor.
Imagem –
fotomontagem a partir de: https://segredosdomundo.r7.com/utopia/
Publicado em NVR em 24/03/2021
1 comentário:
cumprimento-a pela elegância dos seus textos
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