Até para nascer é preciso ter sorte
Tenho dificuldade em conceber a
estrutura mental de um assassino e nem sei como organizar o meu pensamento,
neste caso da pequena Valentina, que abalou a sociedade portuguesa nos últimos
dias.
O instinto brutal que habita o
interior de alguns é algo inimaginável e assustador. Quantos mais pormenores se
conhecem, melhor se define o desenho da violência sobre esta menina e o crime
hediondo de que foi alvo.
Somaram-se atitudes, completamente
inconcebíveis, a tortura, a desconfiança, o espancamento, a falta de
assistência, a morte, a ocultação do cadáver, a destruição de provas, o
disfarce perante a sociedade, a simulação da preocupação sobre o
desaparecimento da filha, etc, etc. O que se passará na cabeça deste homem, que
utiliza práticas violentas contra alguém que é incapaz de dar um retorno e que
se encontra totalmente frágil e dependente dele.
Há famílias que nunca deveriam
existir! Porque há famílias perigosas.
Até para nascer é preciso ter sorte.
Não interessa se nascemos ou não numa família rica, … se calha em nascer-se
numa família de criminosos, o individuo vive em risco permanente, num
crescimento atormentado e sem futuro, uma luta diária pela sobrevivência.
(…) torturou-a com água a ferver nos pés.
Mas o que é isto?cinco minutos de espancamento, após a tortura, até estar
mortalmente lesionada.
Não tenho capacidade para analisar
este cenário.
Que fera é essa que vive no interior
daquele homem, indomável que não reprime os seus instintos cruéis, é incapaz de
se colocar no lugar do outro por forma a sensibilizar-se com o sofrimento que
provoca e desenvolve um insensibilidade surpreendente furiosa e malvada.
O que é que ele aprendeu na sua
família, na escola e na sociedade? Como se cria e desenvolve uma besta destas?
Conseguirão desenvolver empatias, remorso, arrependimento, culpa, medo? Nada
regula as suas emoções?
Um filho é para amar
incondicionalmente.
Ainda percebo as atenuantes da Sara
(o caso do recém-nascido deitado ao lixo), mas isto não!
Que mente tortuosa é esta, capaz de
tanto horror. Nasce-se criminoso?
Como se sobrevive numa família
desequilibrada e às mãos de um criminoso e à passividade de uma madrasta? Qual
é o instinto maternal desta criatura feminina, mãe em triplicado, que assistiu,
ajudou e colaborou? Esta mãe manchou a condição de se ser mãe.
Com quantas Valentinas já nos
cruzamos? Quantas Valentinas teremos à nossa volta, a sofrer em silêncio, para
proteger exactamente quem lhes faz mal?
Este meu “revoltando
os dias” é cheio de interrogações, sem respostas.
Sobraram três crianças, sorte a
delas! Escaparam com vida desta família, que nunca deveria existir. Vítimas
afectadas, cada uma à sua maneira, sobreviveram.
Isto é um quadro sem princípios, sem
valores e sem lógica, para os psicólogos estudarem e que eu recuso entender.
Publicado em NVR 20/05/2020
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