Anita vai à farmácia
Anita era
cliente de uma farmácia localizada a rua Aureliano Barrigas. Com urgência ou
não, a qualquer hora, costumava estacionar o seu automóvel, junto do passeio da
mesma e dirigia-se à farmácia adquirindo os comprimidos para combater a gripe,
os antipiréticos para anular a temperatura que galopa, os xaropes para a tosse persistente
e os comprimidos para a maldita ciática. Tem sido assim ao longo dos anos até
que chegou o progresso e o progresso é bom, portanto há que aderir e elogiar.
Um dia a Anita
não pode mais estacionar junto à sua farmácia.
Credo! E
depois? Ninguém morreu! O tráfego flui melhor.
Procurou o
lugar de estacionamento reservado da farmácia e encontrou-o ocupado, pois não era
a única cliente interessada nesse espaço. Decidiu procurar outro sítio onde
estacionar, aproveitando para conhecer melhor a cidade… junto ao Jardim da Carreira
- tudo ocupado - , quinta de S. Pedro - não se distinguem as faixas viárias dos
passeios, nem dos sítios onde é permitido estacionar -, em frente à Escola
Diogo Cão- sempre lotado -, largo de S. Pedro - não dava -, Pioledo - nem
pensar -, Av 1º de Maio – esgotada -, entre aos “caixotes” da avenida Aureliano
Barrigas - impensável. Que óptimo!
Os lugares mais
próximos, que a Anita previa encontrar lugar para estacionar foram o parque de Codessais,
o largo da Estação, o largo do Cemitério de Sta Iria, o parque de
estacionamento da Escola das Árvores, os parque do Lidl e Continente e o parque
de estacionamento da Avenida Carvalho Araújo, este sem garantia de acesso.
Cidade grande é
assim e a Anita gosta. Movida urbana é com ela mesmo.
A Anita optou
pelo parque de Codessais e ligou para um táxi, para a transportar para a
farmácia. Só não há solução para a morte.
Eram 18h30m. O
táxi tardou em chegar, o chofer vinha feliz da vida pela corrida ser tão curta,
imaginava um frete para a Régua, Chaves ou Sta Marta… saiu-lhe uma “corrida” com
menos de 1km. Na boa! Poderia jantar mais cedo com a família! Olhava a Anita
com cara de sorriso afiambrado nas orelhas e emitia comentários agradáveis tanto
sobre o trânsito congestionado, assim como sobre as faixas de rodagem cada vez
mais apertadas e sobre as família dos que decidem sobre as vias de comunicação
desta Royal Village, em relação às
quais parecia haver muita intimidade. Andou ali às voltas para se apresentar
pela esquerda na rotunda de Codessais e conseguir realizar um check-mate
politicamente correcto aos que estavam na fila, que se estendia até a
Araucária, conseguindo uma melhor posição na mesma. Fiquem espertos! Aprendam,
aproveitem todas as oportunidades de aprendizagem! A fila avançou em marcha
lenta, muito lenta; entretanto Anita puxou do tricot e foi puxando mate e laçada, mate e laçada, no banco
traseiro do táxi, podendo dispor dos novelos de diferentes cores em filinha ao
seu lado. O chofer tirou do porta-luvas umas folhas para resolver problemas de
Sudoku, tão aconselhados para contrariar o Alzeimer, um palito para retirar o
resto do salpicão ingerido à merenda, que se prendia na dentadura postiça e
ligou o rádio na Antena 3. Ambos disfrutaram do programa “A prova oral” do
Fernando Alvim, com um tema sobre Sexo Exótico, o que fazia todo o sentido numa
fila de trânsito, dentro de um táxi, naquela situação, a Anita já um pouco
largada na idade e o chofer, com tufos a sair das orelhas, um quadro digno de
um hardcore de Sá Leão.
A Anita chegou à farmácia que entretanto
fechou e a “corrida” continuou em sentido inverso, divertida, animada e
altamente formativa.
Anita não sabia
como poderia levantar os famigerados medicamentos reservados, pois no dia
seguinte, no outro e no outro, a animação urbana seria igual com tendência a
crescer. Pegou no telemóvel e obviamente cancelou a reserva apelando para
aquelas desculpas da praxe, sinceras, pragmáticas e incontornáveis, que
contribuem muito para a cidadania de todos, dignificando-nos: tive que viajar,
faleceu uma pessoa da família, tive que me deslocar a Viseu, o meu médico
alterou-me a medicação sem eu contar… não dando tempo à formulação da resposta
do outro lado e já se despedindo e desejando felicidades para todos.
Sempre educada
a nossa Anita!
No dia seguinte,
a ciática apertou e Anita dirigiu-se à farmácia mais distante do centro urbano,
pois o tricot terminou e esta seria a
sua 4ª farmácia que utiliza nesta cidade - é sempre bom arejar e conhecer
pessoas novas atrás de um balcão de farmácia.
AQ
Publicado em Notícias de Vila Real - 10/10/2018
4 comentários:
Continuas deliciosamente mordaz. Bj
Fernando
Continuas deliciosamente mordaz. Bj
Fernando
Um texto fabuloso. De excelência. Parabéns.
No mais elevado respeito.
Fascinas.
António Pena Gil
És genial mesmo. Adorei.
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