15 janeiro, 2025

A "nossa" Vila Real

 


A “nossa” Vila Real

Muitas cidades possuem uma estátua, que personifica e dá imagem a um aglomerado urbano, já que este se forma tal como os homens organizam as suas cidades, oscilando entre o desenho orgânico das cidades medievais, ou planeado com desenho pensado relacionando forma/função com racionalidade e exigências das cidades novas. Nos dois casos a essência desse aglomerado é sempre algo abstracto e com dimensão gigante. Não se pode abraçar, beijar, acariciar ou apunhalar as cidades, porque estas acções implicam um interlocutor humanizado, e a disposição de ruas e edifícios, é algo que existe numa grande escala e a sua história perde-se na espiral do tempo.

  A estatuária é algo imaginado pelo Homem como testemunha que pára o tempo e passa a integrar a identidade de um grupo de pessoas, publicita eventos, personalidades e preserva memórias, ou até emite sinais de engrandecimento por forma a motivar o orgulho e a determinação do observador, para grandes feitos.

No século XVIII, Vila Real, assim como noutras cidades, fez nascer o seu espaço público com alguma visibilidade, refiro-me ao Campo do Tabulado - lugar público por excelência, passeio público, de passagem obrigatória, com vida social activa, onde se realizavam os grandes eventos da época, a feira de Santo António, corridas de cavalos e de touros e os festejos nos dias das procissões – e o desejo de enriquecer esteticamente este espaço, associou a arquitectura e a escultura, utilizando modelos clássicos para esculpir na pedra e incluindo pormenores que ajudassem a contar uma história.

Vila Real também possui a sua estátua – tema a que me limito a partilhar informação, porque não descobri nada de novo. (escarpasdocorgo.blogspot.com e revista TELLUS)

Seguindo a cronologia:

- “A Câmara de Vila Real deliberou fazer esta estátua em 1749.”

- “A elaboração da escultura, simbolizando Vila Real, foi arrematada em 3 de Setembro de 1755, por António de Nogueira, mestre estatuário, do Minho.”

- “A 27 de Novembro de 1755, o mestre Matias Lourenço de Matos arrematou a obra de decoração dos arcos da galeria, no Campo do Tabulado, com a edificação de um soco e uma peanha sobre qual colocaram uma estátua, com a imagem de uma mulher, vestida de guerreiro, com elmo e empunhando uma lança e escudo.”

- “No pedestal da estátua havia uma inscrição que dizia: "O nome de Vila Real que tenho conquistei-o com grande esforço. Não queiras títulos reais obtidos de outra forma". Texto original inscrito no pedestal da estátua: "QUOD REGALE NOMEN GERO MIHI RUBORE PARTU EST REGIA NOM ALITER NOMINA PARTA GERAS"

- “Em Novembro de 1884, a estátua foi apeada e demolidos os arcos para a construção do mercado fechado, inaugurado em 1885. As armas reais e a legenda, esculpidas no pedestal desapareceram, sendo desfeitos para calcetamentos.” (cometem-se erros e destrói-se património em todas as épocas)

- “No ano de 1894, transferiram-na para a fonte, no Jardim da Carreira.”

- “Em 1916, foi retirada e levada para os Paços do Concelho, sendo colocada sobre a fachada.”

Saber-se que foi encomendada pela Câmara de Vila Real, e que se expôs em espaço urbano público, de forma permanente ou efémera, com visibilidade para com os cidadãos, confere-lhe um grau de representatividade dinâmica e interactiva com as pessoas e um estatuto de escultura pública com significado. Esta escultura assume assim um diálogo aberto entre o objecto artístico e o cidadão, e que esteve, provavelmente, mais próximo das pessoas do que agora.

Hoje encima o edifício da Câmara de Municipal, talvez não haja espaço mais nobre, mas quem olha para ela? Sinto-a afastada dos vila-realenses, e a prova disso é a sua secundarização relativamente ao Aleu ou ao Pelourinho. Seria motivo para um investimento numa análise dessa peça, e a forma de a preservar, pois como mencionei anteriormente, apenas nos chega a informação sobre o autor, como característica “imagem de uma mulher, vestida de guerreiro, com elmo e empunhando uma lança e escudo” e a ausência da inscrição do seu pedestal que desapareceu “O nome de Vila Real que tenho conquistei-o com grande esforço. Não queiras títulos reais obtidos de outra forma". Faltam elementos que a liguem a esta cidade.

À vista desarmada parece uma estátua em degradação pelos agentes atmosféricos e pelo maus tratos sofridos anteriormente, não sendo possível visualizar pormenores. Penso que ao fazer 270 anos, e em ano em que se comemora o centenário de Vila Real, como cidade, chegou a hora de realizar 3 procedimentos;

1 – Retirá-la para o interior da Câmara Municipal, conservá-la como peça museológica, protegida dos agentes atmosféricos, para que as próximas gerações a possam contemplar.

2 – Fazer uma cópia substituta para colocar no seu lugar (assim se faz nas outras cidades).

3 – Promover o conhecimento deste símbolo de identidade e ousar em criar uma nova “Vila Real” com a linguagem escultórica do século XXI, a localizar em espaço próximo dos utentes. E não receiem as novas linguagens artísticas e materiais, não tenham medo da polémica: O amor ou o odio, são sempre preferíveis à indiferença, e é bom que os cidadãos se ocupem a dialogar sobre os seus símbolos, pois assim se promove a Educação Cultural.

Publicado em NVR 15|01|2025

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