09 agosto, 2023

Anónimos (3)


 

Anónimos (3)

Utilizo táxis cada vez com mais frequência, por vezes é impossível deslocar-me rapidamente de um lugar para outro, onde não existe estacionamento ou então, o estacionamento que existe está cheio. Contabilizo os gastos de andar com o carro às voltas, ter que pagar ao arrumador, ou o parque, o meu precioso tempo e ainda a distância que terei de percorrer a pé, e tomo essa opção. Aqui em VR utilizo o táxi sempre que me desloco ao hospital publico ou para a estação rodoviária. No Porto, como não me entendo com andantes, semi-andantes Z1, Z2, Z3, Z4…. e máquinas a substituir postos de trabalho, opto com frequência por um táxi. Entre Uber e Táxi, prefiro o táxi, porque esse tenho a certeza que existe um seguro de passageiros, se tiver alguma reclamação a fazer, sei a quem a fazer e poderei chegar mais rápido ao destino, porque o táxi pode utilizar a faixa BUS.

Os táxis circulam por toda a cidade, sabem todas as novidades urbanas e suburbanas, funcionam em rede, têm normalmente uma conversa que não acaba mais, que vai da informação, conhecimento até à fofoca e à filosofia do achismo. Uns são honestos, outros não, como em todas as profissões. Já dei 4 voltas à Expo Lisboa, para encontrar uma rua que se localizava a 500 metros do ponto de onde parti. Já encontrei um que desconhecia onde era S. Mamede de Infesta e dizia que o seu GPS estava avariado, tentando desviar-me do percurso certo, para ganhar mais uns euros, até eu me passar e dizer para seguir as minhas indicações. Já me aconteceu iniciar viagem sozinha e depois o motorista ir parando e permitindo que outros passageiros entrassem no veículo até encher. E já me aconteceu, o motorista parar e sair do carro para ir discutir com alguém. Estes motoristas são a face negra de uma classe profissional.

Tenho o meu taxista preferido, que me transportou vários meses a tratamentos ao nosso hospital. O sr. Tomás apanhava-me à hora certa, à porta de casa, eu sorridente e confiante, e depois recolhia-me à porta do hospital, eu feita num oito, cheia de dores, que nem conseguia abrir a porta do automóvel. Sempre se manifestou zeloso, simpático, preocupado e amigo. Penso que eu poderia estar num canto qualquer do mundo, que ele iria lá recolher-me.

Na semana passada estive no Porto, utilizei dois táxis, e os motoristas já com alguma idade, eram conversadores militantes, todo o caminho a falar, falar, falar. Um deles, em 10 minutos, contou-me a história toda da sua vida e da empresa onde trabalhou muitos anos, e o outro protestou contra o Terminal Intermodal de Campanhã, contou-me cada coisa, que se eu já detestava esse equipamento, fiquei ainda mais preocupada com o que se vive naquele edifício com automóveis, autocarros, metro, comboio e pessoas, tudo misturado. Uma bagunça. Sempre estranhei o facto de haver seguranças a cada sete metros – um indicador seguro de local de furto frequente e outras coisitas mais do paraíso dos delinquentes. Prefiro andar de metro em Roma, em hora de ponta, do que atravessar este Terminal. Este motorista fez a sua “rapsódia” de crítica política, contra o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, atendendo a que, criou uma estrutura em Bonfim, que durou 4 anos apenas, sendo mais humanizada e melhor do que Campanhã; passou para o Rui Rio que segundo ele só gostava de corridas de carrinhos; e finalmente resvalou para Cavaco Silva e os seus que tais, trupe de má fama de negócios pouco transparentes, ... e eu cheguei ao destino, com ele ainda a falar também de Sócrates e do outro do palco do Papa. Uffaa!

Fiquei a pensar sobre uma classe profissional que é um potencial canal de informação. Quantas pessoas transportarão por dia, que funcionam como depósito de toda a informação e contra-informação que habitam nas suas cabeças? São verdadeiros “influencers” urbanos, mesmo sem ninguém lhes pedir opinião. Transportam desconhecidos e arriscam a tecer considerações pesadas/polémicas sobre a sociedade e a política, que podem ser contrárias à opinião dos passageiros. Penso que eles consideram, que todos os seus passageiros deverão pensar como eles. Não sei se o discurso será sempre o mesmo, mas provavelmente, sim, adaptado às notícias do dia, interceptado por uma voz feminina da central de táxis, que pede urgentemente uma viatura para a rua x. A conversa, deste último, foi mais um monólogo do que um diálogo, porque ele questionava e respondia, parecendo-me haver ali uma azia constante e descontrolada, contra tudo, provocada provavelmente por excesso de horas de trabalho a tentar safar-se do trânsito caótico e muito condicionado, no centro da cidade, completamente lotada de automóveis e de turistas.

Nota: No meu último texto figura um erro de palmatória, devido à escrita inteligente do telemóvel, que selecciona a palavra que eu utilizo em geometria, com frequência. Em vez de “cotas”, deve ler-se “quotas”.

Publicado em NVR 9/08/2023

Sem comentários: