A ANITA NÃO SABE A QUEM ESCREVER
Não sei se escreva ao
Pai Natal ou se escreva ao Menino Jesus. Sim, porque eu também gosto que me
presenteiem! Quem não gosta? Depois de adulta, eu e os outros fazemos sempre
aquele ar de surpresa cerimoniosa, quando nos oferecem algo:
– Ó não estava nada a contar, para que te
estiveste a incomodar e a gastar dinheiro?! - e vamos abrindo os presentes, “apenas”
porque pessoas bem-educadas abrem os presentes na presença de quem oferece e
dizemos que adoramos, mesmo que nos calhe um galo de Barcelos feito na China,
ou uns chinelos cor-de-rosa com penachos em cima.
Isto é só aparência e
delicadeza, porque todos gostamos do miminho de um presente que encaixe no
nosso coração. E então se for no Natal, melhor!
Quando era criança, quem
colocava os presentes no meu sapatinho era o Menino Jesus, depois não sei o que
aconteceu, o senhor Nicolau, funcionário da Coca-Cola, despediu-se
amigavelmente, e decidiu trabalhar por conta própria com a parceria da mesma
empresa e transformou-se em Pai Natal. A partir daí, decidiu estragar
anualmente o aniversário do Menino Jesus, antecipando-se na entrega dos
presentes, logo após a consoada, com o seu trenó puxado por renas voadoras.
O Menino Jesus, coitado,
recém-nascido, perseguido, e ainda com o umbigo ao pendurão, nem sei como arranjava
as prendinhas e como as arrastava para os sapatos de cada criança, certamente
tinha ajuda dos Reis Magos e dos camelos. O Pai Natal, diziam-me, tinha uma fábrica
de brinquedos no Pólo Norte localizada no Círculo Polar Ártico, com os duendes
a trabalhar para ele, sem horário de trabalho, certamente a fazer jornada continua,
durante muitos meses e depois com um big trenó, transportava as prendas,
com oito renas a puxar, mais o Rudolfo com uma luz no nariz, que seria o GPS do
senhor Nicolau. Os camelos, aqueles animais com duas bossas e pouco pêlo, que
demoram muito tempo a baixar-se e a levantar-se, temperamentais e nem sempre
correm, foram substituídos por renas voadoras (evolução das espécies, que nem
Darwin imaginou). O Pai Natal cumpria esta azáfama, nem teria férias, focado em
honrar os seus compromissos.
Nos últimos anos, com a
globalização e a revolução digital, o espírito empresarial do Pai Natal
converteu a sua oficina modesta e sem horário, em várias multinacionais, talvez
com apoio financeiro da comunidade europeia. Já não é ele quem produz e quem
entrega as prendas, abriu concurso, contratou as empresas de fabrico em série,
lá da India e do Paquistão, e sobre o transporte, optou pelo transporte mais
barato, combinando drones, com ubers e estafetas, para os locais com muito
transito. Alimentar nove renas ao longo do ano é muito dispendioso e logo que
lhe foi possível vendeu-as a bom preço a um circo de Natal, que passou a ter como
propaganda “o circo das renas voadoras”.
Não sei se tem NIF, se
tem os impostos em dia, se respeita os limites de velocidade e as leis do
trabalho. Antes, o trenó aterrava no telhado, mau exemplo para as crianças, e entrava
clandestinamente na casa das pessoas pela chaminé e ainda dava aquela risada
irónica, oh, oh, oh, … tudo se lhe perdoava, porque nos oferecia alguns
presentes, não abonando sobre os nossos valores.
O Menino Jesus tem uma
história, fictícia ou não, mas tem! com nascimento polémico, em adulto com
retrato físico variado, mas parece haver certeza, sobre a sua existência e como
morreu. O que fez ao longo da vida?… milagres dizem. Sobre o Pai Natal sabemos
pouco, quando nasceu? Não sabemos. Nunca o representaram graficamente em
criança. É imortal? Parece que caiu num caldeirão de ácido hialurónico, quando
tinha para aí 60 anos, nunca percebemos que fosse novo algum dia, não
envelhece, parece conservado como os picles. Imutável.
Poderia ainda fazer
umas contas por alto, para perceber melhor como tudo isto funciona… no mundo
existem cerca de 2 mil milhões de crianças, como o Pai Natal só dá prendinhas
aos cristãos, tem assim a vida facilitada, porque fica apenas com 378 milhões,…
é só fazer as contas. Os matemáticos já as fizeram e chegaram a esta conclusão
em 2007:
“967,7 visitas por
segundo, o que significa que para cada lar o Pai Natal apenas dispõe de cerca
de um milésimo de segundo para estacionar o trenó, sair, descer pela chaminé, colocar
os presentes, provar as guloseimas que lhe deixam, voltar a subir a chaminé,
saltar para o trenó e dirigir-se para a casa seguinte.” (1)
Não sei a que conclusão
querem chegar, os matemáticos existem para nos complicar a vida…
Agora, sendo grande
empresário, desconheço o que o Pai Natal faz o resto do ano, do que vive, se
tem família ou se é um solteirão que vive com alguma garota que poderia ser
neta dele, mas que o ama muito. As cartas só chegam em Dezembro e não há
reclamações, nem devoluções, então talvez fique nas Bahamas, onde a água é
turquesa, a areia rosa e as conchas vermelhas, a apanhar sol e a mergulhar
naquele mar lindo e quente. Mas por que razão coloco estas questões se ele nada
vende, não se insere no liberalismo económico, apenas oferece os presentes,
portanto, não faz sentido os impostos, o nif e toda a narrativa que aqui
desenvolvo.
Apesar de saber, que
ninguém dá nada a ninguém, quero continuar a acreditar que com o Pai Natal é
diferente, apenas
não sei a quem escrever. Se escrevo ao Menino Jesus, sempre é o autor da ideia,
com ele talvez receba uns restos de incenso, uma peça qualquer que sobrou da
carpintaria do pai, umas tâmaras, uns kiwis dourados de Israel… ou se escrevo
ao Pai Natal… temo pelos chinelos cor-de-rosa, ou algum casaco aos quadrados e
babydoll vermelho, que tanto anunciam nas vendas on line e julgo serem para
vestir no Natal. É que nem sempre somos presenteados com o que pedimos, e não
acredito em milagres, senão já teria, há muito, na garagem, um Lamborghini
Huracán de 2014. Em qualquer dos casos devo ser rigorosa na escrita e nos
pedidos: um voucher anual para as termas de Saturnia, algumas doses de
tolerância para ouvir o Montenegro, um CD do Abrunhosa e o manual “Como gerir
bem este mundo e o outro” para eu re-oferecer ao Grande Arquitecto, que
ultimamente estacionou a nuvem mesmo em cima de nós e foi tratar da vidinha
dele e pronto. No céu não há “adrianitos”, se houvesse, a cidadania outra coisa
seria! Feliz Natal.
(1)
https://dererummundi.blogspot.com/2007/08/mais-humor-na-cincia-o-pai-natal-no.html
Publicado em NVR 21|12|2022
1 comentário:
fantástico
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