Centenário de Agustina
As comemorações
do centenário de José Saramago passaram o centenário de Agustina Bessa-Luís um
pouco para segundo plano. O que vale é o mundo cultural do Porto e Norte que
não a esquece.
Agustina nasceu
em Vila Meã em Amarante, porém viveu a maior parte da sua vida na cidade do
Porto, integrando a elite intelectual portuense. Escreveu muito e bem, focando
o seu interesse nos sítios, nos lugares, nos espaços onde viveu e escreveu
sobretudo sobre as mulheres.
Lembro-me sempre
dela já idosa, usando penteados fora de moda, roupas por vezes com alguma exuberância,
mas, uma exuberância antiga e mofada, nunca esquecendo um adorno coquete. Pouco
elegante, eu diria mesmo com excesso de peso e pouco bonita, que poucos a imaginariam
uma pessoa activa, atenta, inteligente, rigorosa, trabalhadora, criativa,
moderna e profunda.
A escrita dela
não é cosmopolita, é rural, delineada em espaços largos ou apertados, tradicionais,
auto-portantes, com pouco ou nenhum betão – as quintas, os solares, as casas
durienses, os casarões e os casebres, perdidos nos caminhos íngremes e
apertados conquistados à natureza. As famílias e as mulheres possuem este
enquadramento, as famílias com sucesso, as famílias arruinadas, as
problemáticas que circunstanciam todo esta ambiência pouco moderna, mas real, localizada
a poucos quilómetros do Porto, e a 4 horas de Lisboa. Agustina explora as
ligações familiares que influenciam sempre a vida das personagens, o vínculo à
terra e à tradição, com sentido crítico ou não. A abordagem do casamento como sendo
a união de património, perspectiva tradicional, a virilidade, a cólera, a
virgindade, a maternidade, o sofrimento, a fúria, a desigualdade… tudo isto
podemos encontrar nesse legado ficcional que nos deixou.
A descrição de lugares
ora pitorescos, formosos, poéticos, secretos, encontrados no Douro, ora lugares
menores, desenvolvem-se agora um pouco desformatados pela nova circunstância do
turismo de massas. Ficará o registo de como foi, esse território provinciano e
claustrofóbico, onde também eclodiam paixões complexas, porque a paixão e a sedução
não escolhem dono, nem lugar…
Agustina retrata
estas identidades femininas só possíveis nestes territórios, nestas casas de Douro
no horizonte e que Manoel de Oliveira teve a astúcia e a perspicácia de
explorar na 7ª arte.
Publicado em NVR em 12/10/2022
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