Parecem bandos de pardais à solta
Fico apreensiva ao ver
na saída e na entrada da escola, tantos cenários de afectos contraditórios e
surpreendentes. Vejo tantos pais preocupados com os primeiros dias de aulas dos
seus petizes. São emoções fortes que se sentem no ar. As crianças largam as
mãos dos pais e avançam corajosamente em espaço desconhecido, mesmo de olhos
húmidos e o coração apertado, e os pais, sentem aquele vazio, aquela gastrite
que não abranda já há uns dias, tentam lidar com sentimentos contraditórios,
controlar e proteger, ou deixar voar, num desalinho de olhar, os seus filhos…
A agitação já começou
há alguns dias, na compra de uma mochila que é por vezes tão grande como eles,
a organização dos livros e dos cadernos, as perguntas a outros pais,… o lanche
como vai ser?
Vejo também, os outros
que, por diversos motivos, anseiam o início das aulas, despejando as crianças
na escola, saturados de os ter em casa. Se mais horário houvesse na escola,
melhor seria para estes pais, até o fim-de-semana marchava. Bom, bom, seria
largá-los no primeiro dia de aulas e recolhê-los no último dia… ou então já com
a escolaridade obrigatória feita, sei lá.
Lembrei-me de Carlos
do Carmo, parecem bandos de pardais à solta, os putos… a diferença é que
estes são pardais que não sabem voar, nem correr atrás do arco, nem nunca
saltaram ao eixo. São putos que correm sentados num sofá e dentro do ecrã de um
tablet ou de um telemóvel.
Eles querem
aprender a ser homens, mas…
Uma criança já dentro
da escola, não sai de perto do gradeamento, vendo a mãe do outro lado. A mãe
diz, vai, vai, mais entretida com o telemóvel do que oferecendo um abraço
seguro, mesmo por entre as grades, para dar força ao filho. Falta abraço agora,
de manhã e ontem… apenas existe o abraço para a selfie, o chamado abraço de
plástico.
- Quero voltar para
casa, mãe….
- Corre e salta! vá, corre
e salta – diz a mãe ignorando o rosto assustado do filho, espreitando a imagem
que regista em vídeo…. Vá dá saltos e ri.
A criança não corre,
porque não sabe correr, nem ri. Ensaia uns passos deambulantes, desajeitados, que
talvez não permitam ter muitos likes no vídeo que a mãe irá partilhar ou
faz em directo para a rede social -um passarinho um pouco desamparado tenta
voar e aprender a ser homem.
Fico sensibilizada
pela negativa quando saio e entro na escola e vejo o caos no parque de
estacionamento. Para além desta nova perspectiva afectuosa do salta e ri para
passar na rede social, as crianças são confrontadas com os carros que esperam
os alunos e que não respeitam as regras de trânsito, nem de civilidade. Talvez
seja uma das primeiras lições de falta de cidadania que os alunos presenciam e
vivenciam diariamente… afinal a escola, assustadora para alguns, onde se tenta
educar, e que causa alguma insegurança a tantas crianças, confronta-se com o seu
espaço exterior onde não existe rei, nem roque.
Como pode o aluno
seguir as orientações do professor, se os pais que exercem naturalmente o poder
paternal, são o primeiro exemplo para os seus filhos e fornecem-lhes
diariamente esta falta de civismo à entrada na escola?
Em vez de combinarem
com os filhos a entrada e saída do automóvel, num espaço um pouco mais afastado
da entrada da escola, optam claramente por estacionar onde calha, não
obedecendo à lei. Param em fila dupla ou tripla, bloqueando quem estacionou
correctamente, em frente do portão da escola, em cima das passadeiras, como se o
normal fosse exactamente assim.
E ai de quem reclame,
porque ainda se vai incomodar com a resposta, de dedo médio levantado e uma criança
a espreitar no banco de trás.
Como iremos ensinar o respeito pelo outro, pela sociedade e pelas regras estabelecidas no código da estrada se vivemos nesta plataforma de desrespeito? O pardal voará, mas voará mal.
Publicado em NVR 28/09/2022
1 comentário:
Excelente texto! Adoreiiiiiiii!
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