No mês em que festejamos os Santos Populares tornamo-nos mais tolerantes e simpáticos.
Todos sabemos que o festejo dos
santos populares é mais uma operação de implantação do cristianismo,
aproveitando as festas pagãs em homenagem à natureza e à fertilidade que marcam
o iníco da colheita dos cereais, o mês de Junho. O festão pagão converteu-se em
celebração religiosa, e ao longo dos anos, séculos e séculos depois, o Sto. António,
São João e S. Pedro converteram-se em santos populares continuamente
reinventados, colando-se-lhes um perfil folclórico e de grande alegria, nossos
companheiros de folia e de muito amasso.
Agora, religiosos, ateus e
agnósticos, festejam em todo o país as festas juninas. Não sabendo o que
festejamos, festejamos de copo na mão, tornamo-nos mais tolerantes e tipos
fixes. Esquecemos todos os outros santos, normalmente desaparecidos por morte
matada, ou seja, por morte violenta e entregamo-nos a estes. Um, porque anda
com um menino ao colo, o outro sempre em banhos de baptismo e o terceiro, mais
maduro, já com idade para ter juízo, guarda das portas do Céu, secretário do
Dono disto tudo. Com eles celebramos a vida durante este mês e quase os
ignoramos o resto do ano. Faço saber que os dias de Sto. António e de S. Pedro
são datas tristes da sua morte, mas nem pensamos nisso. Sto. António
converteu-se em casamenteiro. Há uns anos constituía oportunidade, os pobres
contraírem matrimónio, no seu dia, em Lisboa, sem grandes despesas. Hoje os
jovens casais que não estão nem aí para o casamento, atrai-os a passadeira
vermelha, vestido de noiva e fato de homem, desenhados por estilistas e uns
minutos de fama na televisão. Quem é a favor das relações livres, coloridas ou de
um pequeno compromisso no cartório, acaba por alinhar no glamour destes
casamentos de Sto. António. Então lá vão eles, uns elegantes, outros anafados e
feios, a sorrir para a câmara da televisão.
Algo de mágico se passa neste mês de
solstício de verão.
Quem odeia o odor das sardinhas
assadas, nesta época, lambuza-se e até as comem no meio de um pão qualquer,
escorregando gordura, com pele cheia de escamas. Quem não gosta de moscas e
mosquitos, come na rua, convertendo de bom grado, as suas canelas, num
verdadeiro manjar dos mosquitos nocturnos.
Quem não valoriza presépios tira
selfies nas cascatas de S. João. Quem tem a cabeça sensível sorri quando leva
com os martelos na cabeça e abre sorriso. Quem odeia o cheiro intenso de alho, não
discute com quem lhe passa o alho-porro pelo corpo. E os pimentos? Também a
largar cheiro forte sobre as brasas, comem-se sem recorrer ao kompensan.
As pessoas ficam alegres sem saber porquê reforçando com uns copos de tinto e
de verde, o delírio colectivo. Quem odeia o óleo das farturas e cuida do
colestrol, come-as como se fosse um manjar dos deuses atacadas com uma sangria.
No S. Pedro, quem pragueja contra a dificuldade de ir de carro até ao centro da
cidade, passeia-se alegremente entre as tendas dos africanos, vai à feira da
cueca e dos atoalhados, mesmo que o sol não dê tréguas…. Vai-se dar uma vista
de olhos ao artesanato de Bisalhães e de Agarez, esquecendo a Marinha Grande e
os Limoges. Negoceia-se a tanga vermelha diminuta, o corpete rendado parecido
aos que há na sex shop, o soutien bem decotado, o body esburacado… Se lhes
servem uma malga de tripas, numa peça esbotenada, onde já passaram imensas
beiças, toda a gente aceita nas calmas, já nem se pensa em Covid, nem em
desinfectantes, favorecendo-se assim, a orgia dos vírus e dos micróbios. O que
não se vê, o coração não sente, bota mais um copo! Oh patego, olhó balão! Então
os incêndios?
Quem pragueja a favor da
racionalidade dos gastos públicos, embarcam em arraiais, até ficarem surdos. Aqueles
que não apreciam a brejeirice da música pimba e só ouvem de Beethoven para
cima, divertem-se com os “Peitos da cabritinha”, “Eu levo no pacote ai eu
levo sim senhor” e “Chego às duas três ou quatro vou alugar um quarto vou
alugar um quarto”. No dia seguinte regressam ao Johann Sebastian Bach, mas
na avenida cruzaram os punhos e cantaram “A carga pronta e metida nos
contentores, adeus aos meus amores que me vou.”
Olhem, eu já nem sei se gosto, ou
não, nem porquê. Arrasto comigo este problema existencial e um dia destes
converto-me em pagã, deixo crescer os pêlos dos sovacos, abraço-me às árvores, ponho
bandolete cheia de flores na cabeça e inauguro-me em rituais de adoração à Natureza
Sagrada.
Divirtam-se.
Publicado em NVR em 22/06/2022
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