Lucho, o homem das muitas memórias
O homem das muitas memórias não resistiu
ao Corona.
No dia 1 de março noticiava-se que
estava contaminado com o vírus tendo contactado com várias pessoas no evento “Correntes
de escrita”. Creio que foi o caso que alarmou os portugueses, que permitiu não
atrasarmos muito o encerramento das escolas e entrássemos em confinamento com a
maioria das pessoas resignadas a estas grandes mudanças para combatermos
seriamente a pandemia.
A ampla divulgação na comunicação
social deste caso, fez-nos levar muito a sério o vírus, que no caso dele veio a
revelar-se fatal.
O homem das muitas memórias, Luís
Sepúlveda, não resistiu ao Corona. Perseguido pelos militares de Pinochet, acompanhou
Salvador Allende e considerava que foram os 1000 dias mais intensos da sua
vida. Esteve preso, fugiu do Chile e viveu em vários países. Casou-se, descasou-se
e voltou a casar com a mesma mulher, Carmen, a sua eterna companheira.
Tem pelo menos 21 obras publicadas. É
conhecido pelo seu “O velho que lia romances de amor“ (1989), obra que expressa
as emoções de um velho, José, que sabe ler, sem saber escrever, vive isolado na
Amazónia e recebe duas vezes por ano, romances de amor para ler. Este foi o
primeiro livro que li. O último, “A história de um cão chamado Leal” foi para mim demasiado marcante e comovente.
A sua escrita, humanista e de
proximidade, dialogou comigo, numa noite em que era suposto eu dormir, porque me
encontrava em viagem. Meti este pequeno livro na mala, uns minutos antes de partir,
por ocupar pouco espaço e com o objetivo de me ajudar adormecer nas três noites
em que estaria fora. Puro engano, o cão chamado Leal, deu-me uma insónia sem
fim, permitindo-me contar todas as horas da noite.
A lealdade tratada de forma tão
próxima aos meus princípios, a resistência que é caminho difícil de trilhar e a
servidão que por vezes me revolta, emocionaram-me, não saíram da minha cabeça,
não proporcionando o esperado e ansiado sono. Nessa noite, escancarada para
estes valores, evoquei todos os cães da minha casa, o Fiel, o Vicky, a Fusca e
a Pitanga, as suas histórias, a sua personalidade, as suas reações carinhosas
perante a minha família e a recordação doce que deixaram quando partiram. Os
cães, ao contrário dos humanos não convivem com ninguém por interesse, a
nobreza do seu carácter deverá ser um exemplo para todos. Esta obra passou a
viver no meu coração.
“Somente aqueles que ousam podem
voar.”
Até sempre, Lucho!
(Dia Mundial do livro – 23 de abril)
Publicado em NVR 22/04/2020
Publicado em NVR 22/04/2020
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