Realizador Pillippe Claudel
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26 abril, 2020
25 abril, 2020
25 de Abril
Hoje vou contar-vos a história desta fotografia:
O autor da fotografia do menino com o cravo na G3 chama-se
Sérgio Guimarães, nasceu no Porto e morreu relativamente novo, em 1986.
Era fotógrafo, sobretudo de publicidade, mas também fez
outras fotografias com outros destinos, nomeadamente para certos livros que
editou destacando-se, “O 25 de Abril
visto pelas crianças”.
Orgulhava-se de ser
filiado no Partido Comunista e, quando viveu em Paris nos anos sessenta, onde
trabalhou para a revista Elle, terá ficado sem o dedo mínimo da mão esquerda,
por razões que só ele sabia – supõe-se algo ligado ao serviço militar e à
guerra colonial.
Em Paris frequentou o atelier de um grande pintor Fernand
Léger.
Dizia que tinha ganho
algum dinheiro com essa fotografia reproduzida em vários países, mas depois
perdeu o controle, apesar das suas dificuldades económicas.
A fotografia foi tirada no dia 25 de abril. Pegou no filho
de um amigo, Pedro Bandeira Freire, que na altura teria dois ou três anos, e
foi com ele ao aeroporto da Portela para fazer a célebre fotografia que se
transformou no cartaz alusivo ao 25 de abril de 1974.
Pediu a três soldados
da Marinha da Força Aérea e do Exército para segurarem na arma, e fez click com
a Nickon.
Parece que o miúdo está a colocar o cravo na G3, mas não,
ele está esticado para tirar o cravo.
Adaptado de “Artistas de Abril”
AQ
24 abril, 2020
22 abril, 2020
LUCHO, o homem das muitas memórias
Lucho, o homem das muitas memórias
O homem das muitas memórias não resistiu
ao Corona.
No dia 1 de março noticiava-se que
estava contaminado com o vírus tendo contactado com várias pessoas no evento “Correntes
de escrita”. Creio que foi o caso que alarmou os portugueses, que permitiu não
atrasarmos muito o encerramento das escolas e entrássemos em confinamento com a
maioria das pessoas resignadas a estas grandes mudanças para combatermos
seriamente a pandemia.
A ampla divulgação na comunicação
social deste caso, fez-nos levar muito a sério o vírus, que no caso dele veio a
revelar-se fatal.
O homem das muitas memórias, Luís
Sepúlveda, não resistiu ao Corona. Perseguido pelos militares de Pinochet, acompanhou
Salvador Allende e considerava que foram os 1000 dias mais intensos da sua
vida. Esteve preso, fugiu do Chile e viveu em vários países. Casou-se, descasou-se
e voltou a casar com a mesma mulher, Carmen, a sua eterna companheira.
Tem pelo menos 21 obras publicadas. É
conhecido pelo seu “O velho que lia romances de amor“ (1989), obra que expressa
as emoções de um velho, José, que sabe ler, sem saber escrever, vive isolado na
Amazónia e recebe duas vezes por ano, romances de amor para ler. Este foi o
primeiro livro que li. O último, “A história de um cão chamado Leal” foi para mim demasiado marcante e comovente.
A sua escrita, humanista e de
proximidade, dialogou comigo, numa noite em que era suposto eu dormir, porque me
encontrava em viagem. Meti este pequeno livro na mala, uns minutos antes de partir,
por ocupar pouco espaço e com o objetivo de me ajudar adormecer nas três noites
em que estaria fora. Puro engano, o cão chamado Leal, deu-me uma insónia sem
fim, permitindo-me contar todas as horas da noite.
A lealdade tratada de forma tão
próxima aos meus princípios, a resistência que é caminho difícil de trilhar e a
servidão que por vezes me revolta, emocionaram-me, não saíram da minha cabeça,
não proporcionando o esperado e ansiado sono. Nessa noite, escancarada para
estes valores, evoquei todos os cães da minha casa, o Fiel, o Vicky, a Fusca e
a Pitanga, as suas histórias, a sua personalidade, as suas reações carinhosas
perante a minha família e a recordação doce que deixaram quando partiram. Os
cães, ao contrário dos humanos não convivem com ninguém por interesse, a
nobreza do seu carácter deverá ser um exemplo para todos. Esta obra passou a
viver no meu coração.
“Somente aqueles que ousam podem
voar.”
Até sempre, Lucho!
(Dia Mundial do livro – 23 de abril)
Publicado em NVR 22/04/2020
Publicado em NVR 22/04/2020
21 abril, 2020
20 abril, 2020
19 abril, 2020
18 abril, 2020
17 abril, 2020
12 abril, 2020
CONFINAMENTO EM ANÁLISE
Um mês de resguardo em casa,
colaboro minimamente na luta contra a pandemia. Faço a minha parte. Ao fim de
um mês e aproveitando a Páscoa em casa, faço análise do meu confinamento.
Resta-me ficar em casa. Isto não
é uma guerra tradicional, mas é a guerra mundial do século XXI. Há mortes na
mesma, mas não resultam de bazucas, nem de balas tracejantes, nem de metralha
de horas e horas. Ficamos na mesma em casa, mas não nos afastamos das janelas,
permanecendo nos compartimentos mais interiores da casa e temos a grande
vantagem de podermos estar a par da contabilidade marcial, sempre que ligamos a
televisão: X infectados, Y mortos, divididos pela zona norte, centro e sul, com
as duas “generalas” a quem já chamam madames Dupont e Dupond, a esclarecer tudo
e a desenhar técnicas de defesa do inimigo, com picos e planaltos (ansiamos
pela planície, já agora), como se de uma aula de Geografia se tratasse — umas
vezes, com álcool, outras com gel, outras com lixívia e sabão; umas vezes sem
luvas, outras com elas; umas vezes sem máscaras e outras com elas,… não se
entende.
A minha vida decorre dentro de
casa, fazendo percursos entre a sala, cozinha, quarto, hall, marquise e wc,
tentando fazer sucessões matemáticas entre estes seis elementos, com variantes
de 2 e de 3 e saltando a tijoleira de forma alternada. Cada vez que subo as
escadas do prédio imagino-me a subir as escadas da Piazza di Spagna em Roma, e
como me sobra tempo, faço-o com o todo o glamour, com luvas, passo leve e
costas direitas, sem tocar em nada.
Por vezes oiço música, por vezes
discurso em frente ao espelho, treino visitas guiadas pelos interruptores com
toalhete desinfectante, leio vários livros em simultâneo e não faço crochet,
porque já não me lembro como se faz.
Ontem esteve bom tempo e
aproveitei a apanhar sol na marquise, mesmo tendo a certeza que, pelo menos um
vizinho me olhava através de binóculos, a partir de uma janela. Sobre os meus
vizinhos tenho outras certezas também. Apostam se num dia estendo lençóis,
pijamas e toalhas a secar ou se penduro soutiens, fios dental, meias e
camisolas. Apostam se farei iscas de fígado ou sopa de nabo para o almoço, vão
pelo cheiro e tudo é motivo para passar o tempo. Oferecem-me música variada,
disputando Quim Barreiros, Emanuel e Nelo Monteiro e há um, mais erudito, que
passa Conan Osíris. Além de eles ouvirem, fazem questão que toda a vizinhança
oiça e apure a sua cultura musical. Fecho as janelas e penso que ainda não
perceberam porquê.
Como não tenho comigo as
criancinhas, tenho algum sossego. Não oiço a toda a hora, mãe faz-me um ovo
estrelado, mãe não quero fazer já a cama, mãe, que seca, hoje não me apetece
tomar banho, mãe quero pizza e hamburguer, mãe vou lanchar outra vez,… nem
tenho que fazer de polícia-sinaleiro (confesso copiei) a comandar os movimentos
domésticos, olha que cais, olha que vais bater no móvel, endireita a cadeira,
oh pá bicicleta aqui não. Em compensação tenho vários alunos a ligarem-me
constantemente, a lotarem a minha caixa de correio electrónico e a quererem
fazer vídeo-chamadas como se eu fosse da idade deles. Os seus emails são
curiosos: kika, amorzinho, guga, labrego, eusouboi, 567982, agentesecreto,
titan, kotamais, kenjinagasaki, katsuma….o que fica difícil associar aos nomes
dos alunos. Um deles deve ter a tecla ENTER avariada, cada comunicação repete-a
dez vezes seguidas… ou é o ENTER ou é o excesso de zelo da família: oh rapaz já
enviaste o trabalho à professora? (pai); Zé, meu filhote, já enviaste?; (mãe)
Zéquinha, meu amor, já enviaste?; (avó) Oh monstro já enviaste? (irmã); Meu
doce, já enviaste? (tia encalhada); Oh animal, já enviaste? (colega); Marmanjo
au, au, já enviaste? (cão); Já enviaste, já enviaste? Crauuu fi (papagaio) e
ele vai fazendo ENTER não vá o sistema falhar e depois ter que aturar toda a
família. O seguro morreu de velho.
Fazendo tele-trabalho e reuniões
realizadas através de vídeo, percebo o tipo de decoração de cada casa, os
quadros inclinados e mal colocados, a desarrumação das estantes, os
pechisbeques, as roupas penduradas onde calha, olheiras dos interlocutores, as
rugas cada vez mais vincadas, a falta de gel nas unhas, as riscas descoloradas
dos cabelos, a barba matizada de vários dias, os cônjuges a passar por trás em roupão
e até já ouvi: Oh Manel, acabas com essa merda?! … e a atrapalhação do Manel, a
despedir-se da tele-reunião dizendo que estão a tocar a campainha, disfarçando
o mau feitio da mulher.
No hall da entrada tenho um pano
com lixívia, para desinfecção dos sapatos e uns chinelos para passar aos outros
compartimentos. A credência deixou de ter um arranjo floral e passou a ter
desinfectante de mãos, álcool, toalhetes, lista das compras e saco do lixo na
parte inferior… aliás, o meu apartamento já não cheira a jasmim e sim a lixívia
— não há mosca varejeira que queira entrar! Na cozinha, as frutas alinham-se
pela ordem de chegada e todos os cantos e recantos são utilizados para
armazenar. No lava-loiças, as esponjas repousam em soluções lixiviadas e passei
a criar sprays desinfectantes caseiros, com as dicas da internet.
As compras ficam em repouso na
mala do carro durante 48 horas, até provavelmente o bicharoco morrer sufocado,
sei lá.
A conta da electricidade e da
água denunciam o aumento de consumo, tudo se lava a 60 graus e esgotei todas as
amostras de hidratante de mãos que fui acumulando com o cartão das farmácias. A
saída para levar o lixo equivale àquela viagem que todos gostaríamos de fazer
até às Maldivas, só que em vez de mala, levo dois ou três sacos de lixo.
Não tenho que me preocupar com o
que vou vestir e deixei de me maquilhar, apesar dos binóculos do vizinho.
“Basicamente” (agora toda gente diz) estou bem, ansiando poder sair, para saber
quem vive no 5º direito do prédio de uma outra rua, e que toca trompete às 4h
da manhã na varanda, para lhe tocar à campainha todos os dias às 7h, hora de
saída para o trabalho. Confesso que já contei os azulejos do quarto de banho e
da cozinha, e nos marmoreados, distraio-me a interpretar as manchas de cor, consigo
ver em algumas, a delicada princesa Diana e o desbocado general Pinheiro de
Azevedo.
O desemprego, a falta de
alimentos, a violência doméstica, os distúrbios psicológicos, os assaltos, o
alcoolismo e outras dependências, os enfartes e as idas tardias à urgência do
hospital, para já, andam disfarçados pelas palmas à janela, os concertos entre
vizinhos de bairro, as actuações dos famosos em #ficodentro, as anedotas COVID
e pela imaginação fértil de cada um. Veremos o que vem aí! E pronto não falei de
política.
12/04/2020 DIA DE PÁSCOAI
Anabela
Quelhas
08 abril, 2020
07 abril, 2020
06 abril, 2020
05 abril, 2020
04 abril, 2020
OS AMIGOS
OS AMIGOS
Nestes
dias de isolamento pensa-se nos amigos e recordam-se momentos. Com os amigos,
fazemos as loucuras que não fazemos em família, que marcam a nossa vida e sentimos-lhes
a ausência. Fernando Pessoa escreveu “Eu poderia suportar, embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos
os meus amigos!”. É um pouco assim.
Passa
um registo na memória como se fosse um álbum de fotografias. Nos esquecimentos,
recorre-se às pastas de fotos digitais. Olhamos com mais pormenor… olhamos
aquela que foi tirada em Paris, a outra de um jantar numa tasca qualquer, a do
piquenique na montanha, mais esta tirada na praia rebolando na areia, a da
noite dançante e a outra em contra-picadinho no interior de um museu. Olhamos
as que retratam o dia-a-dia, do trabalho e fora dele.
Que
será feito do Manel? A Rita estará em casa? O Fernando, já há muito que não sei
nada dele… Vou ligar-lhes. Ficamos felizes se atendem, conversamos pelo
telemóvel, parece que nos vimos no dia anterior, porque a amizade está sempre
em dia. Agora não podemos combinar um jantar ou uma saída. Ficará para
brevemente, para os dias que virão, prometemos e prometemos ter cuidado,
prometemos que ficaremos em casa até tudo isto passar. Ficamos preocupados se
não atendem e não querendo pensar o pior, pensamos e voltamos a ligar mais
tarde.
Os
amigos aguentam-nos nos momentos difíceis e riem connosco quando tudo corre
bem. Com eles, fazemos coisas impensáveis, parece que a amizade desperta a
criança que há em nós e vive encerrada no interior de nós. Somos genuínos nas
fraquezas e nas euforias. Os amigos são o porto seguro das nossas inseguranças
e medos. Viajar com amigos, enriquece a nossa experiência, o destino, o
percurso e o regresso, anima as cores das fotografias e tornam-se inesquecíveis,
porque estamos sempre abertos ao imprevisto e juntos somos mais fortes e divertidos.
Rimos das qualidades e dos defeitos de cada uma. Os mais introvertidos e
pessimistas aprendem a fazer humor com as suas tragédias para rapidamente abandonarem
o muro do fatalismo. Não pensem que na verdadeira amizade vale tudo. Não. Entre
amigos há uma ética rigorosa e implacável – a confiança, a lealdade e o
respeito. Quem ultrapassa faz um caminho sem regresso.
Tenho
amigos de grupo e tenho amigos solitários. Cada um é especial à sua maneira.
Não costumo misturá-los, acho que não seria bom. As minhas afinidades e
empatias são únicas com cada um e todos são diferentes. Falo de arte com uns,
de futebol com outros (confesso, oiço mais do que falo), ou seja, a conversa
equilibra-se entre o erudito e o popular de muitos matizes, mas o que gosto
mesmo é de uma conversa vadia, que corre lenta sem rumo certo, bordada a sorrisos
pendurados no rosto, pontuadas com grandes gargalhadas, que formulam sonhos,
recordações, muita imaginação e sem hora de partir. Entre amigos as
fragilidades dissolvem-se na empatia que nos une, que nos fazem falar com frequência
só com o olhar. Por vezes as palavras não são necessárias, a doçura ou a dureza
de um olhar, expressam tudo.
Os
amigos constroem connosco novas realidades e novas abordagens a estas, que nos
preenchem e nos tornam mais resilientes. Por vezes dá para associar a amizade à
música, às cidades, aos livros, às paisagens, aos aromas e aos pensamentos. Há
sonhos e aprendizagens comuns.
Tenho
amigos para todos os gostos, uns são doces e outros insuportáveis para a maioria
dos mortais. Cada um cruzou-se comigo em circunstâncias próprias e por isso são
todos diferentes e genuinamente meus. Uns são. Outros estão. Ainda tenho os que
infelizmente, já não estão. Uns estão longe, outros perto. Agora estão todos
fisicamente distantes, mas todos fazem parte de mim, dando as mãos com
esperança.
Convosco,
sou eu.
Em publicação NVR
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