Woodstock 50
Woodstock
foi uma referência para as gerações que viveram o final da década de 60, a
década das grandes revoluções, apregoando “peace and love” e “é proibido
proibir”.
Os
saudosistas, aqueles que se iludem que podem parar o tempo e restaurar as
emoções, pretenderam assinalar a efeméride com a repetição do festival após 50
anos, no mesmo local e reunindo alguns músicos que ainda se encontram
operacionais e activos (são poucos).
A organização
revelou-se problemática e tudo resvalou para um grande fracasso. Ainda bem!
O que
me impressiona em tudo isto é o desejo do repetir, o revivalismo de uma
situação que hoje já não teria significado algum, porque o mundo em 50 anos deu
muita volta.
Hoje, o
que é a contra-cultura?
Qual é
o interesse do Woodstock sem Jimi Hendrix, Janis Jopplin, Joe Cocker, Ten Years
After ou sem os Crosby, Stills, Nash & Young? Só serviria para deprimir os
que ainda andam por cá.
Qual é
o interesse de um festival de música, quando todos os anos existem milhares de
festivais por esse mundo fora? Aquele foi único, mágico e irrepetível.
Faz-me
lembrar os encontros de amigos que já não se veem há mais de 40 anos, antigos
colegas de escola, em que à euforia que antecede o evento, sucede a decepção,
porque nada mais é igual. O tempo não se engana, apenas o Homem quer e insiste
em enganar-se.
Aquela
fulana boazuda que atraia os olhares do sector masculino, é agora uma velhinha
cheia de varizes que anda com uma muleta e sofre de azia permanente, aquele
jovem alto, loiro, de olhos azuis, que encantava a ala feminina, é agora um
ancião calvo, barrigudo e com uma dentadura desarticulada que se mexe como se
tivesse vida própria. As raparigas de cabelos escuros passaram a senhoras
loiras, os rapazes bons de conversa, não passam de velhos canastrões. E tudo
cai com a força da gravidade, não se iludam, tudo cai, são as mamas, são as
papadas, são os glúteos, é a barriga avental, são as peles oculares… e tudo o
resto que vocês imaginam. A pele cresceu e os super, híper balzaquianos
mirraram.
É
impossível disfarçar as artroses, os joanetes, as manchas na pele, os
esquecimentos, o aparelho auditivo e os tremeliques parkinsianos. É impossível
não lembrar aqueles que já partiram. E é impossível resgatar o passado.
Depois
do impacto desolador inicial, porque a maioria não se reconhece, cada um
desenrola a família, evidenciando os maiores sucessos, os casamentos
(normalmente 2 ou 3) e depois, tudo se resume às dores daqui e dacolá. Um queixa-se,
o outro queixa-se também, porque tem um problema semelhante… as emoções da
juventude e da defesa de grandes causas dão lugar às sensações de dor e às
decepções da geriatria. É a politica, é o futebol, é a saúde, é a reforma… nada
está bem. Sugerem-se mezinhas e publicidades enganosas da internet, para curar
certos males. Poucos tem novos projectos, cada um é mais conformado do que o
outro. As mulheres convertem-se à igreja e os homens vão de arrasto.
Alguns
apresentam-se descompostos, outros têm mau hálito, cheiram a tabaco e a álcool.
Poucos arriscaram uma plástica, e mesmo assim ao sorrir levantam ligeiramente
uma das pernas e as sobrancelhas quase chegam até às orelhas. Claro que não
chegam com as mãos aos pés, devido às cruzes enferrujadas, mas as sobrancelhas
quase tocam as orelhas.
Quase
todos usam óculos e felizmente todos têm orelhas para os pendurar, caso
contrário… (faz-me lembrar uma anedota).
Se há
almoço, antes da refeição cada um saca dos comprimidos e alinham-nos paralelos
ao talher. Trocam-se números de telemóvel e finge-se uma alegria idiota e
irreal, quando o coração se apertou para sempre. É difícil digerir o tempo.
Poupem-me!
não quero saber de Woodstock nenhum, quero conservar apenas o que me ficou em
memória, para ainda alimentar os meus sonhos.
Todos
nós fomos felizes naquela época, não porque a época foi especial, mas tão
sómente porque eramos jovens.
Será
sempre assim.
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