Os tristinhos do Natal
Há quem abomine
o Natal e assuma uma postura crítica apelando ao consumismo exagerado, à
hipocrisia das famílias reunidas à volta da mesa, à obrigação de dar presentes,
aos presépios, às árvores de Natal sem sentido, às iluminações de rua, à música
que enche as ruas das cidades e à troca de votos de felicidade entre os amigos,
às questões religiosas...
Normalmente
os verdadeiros motivos não são esses. Porque se fossem, seria fácil… cada um
organiza o Natal como quer. Se quer comprar presentes, compra, se não quer, não
compra. Se quer fazer árvore de Natal, faz, se não quer, não faz, se quer
enviar felicitações envia, se não quer, não envia. Só passa o Natal em família
quem quer. Se há problemas, se considera hipocrisia não compareça à reunião
familiar. Quem recebe a família tem uma atitude altruísta e sobretudo dispendiosa,
portanto, quem não está bem, não deve comparecer — serão menos lugares na mesa,
menos rabanadas para fazer e menos um presente para comprar. Na festa da
família deve reinar a paz e a harmonia, se assim não for, não faz sentido e o
melhor é não comparecer. Não se junte à família apenas pelos bolos de bacalhau.
Quando o argumentário
é desconstruído, sob o diálogo paciente com um amigo, tornam-se visíveis as
mágoas, a perda de alguém e os desencontros familiares. Não é fácil essa
desconstrução, porque a reação primeira é sempre a teimosia e a negação. Só
mediante muita pressão é que as lágrimas saltam e as palavras se libertam. Os
argumentos dilatam para o Reveillon,
para o Carnaval e todos os momentos em que a alegria e os afectos se conjugam, se exteriorizam e se convertem na
verborreia do “contra”, com “olhar de cão”, atestando toda a infelicidade do
mundo.
Não compram
presentes, desligam o telemóvel dia 24, às 15 h da tarde e só voltam a liga-lo
no dia 26, para que ninguém comunique com eles. Metem-se em casa, de preferência
na cama e cultivam a infelicidade, entre refeições de chá e torradas. Nem
sequer lhes resta a imaginação de irem passear. Metem-se na caverna, isolados
do mundo.
A morte de
um familiar, uma separação, a ausência dos filhos, são motivos válidos para a
tristeza de todos os dias e não só no Natal. Quando perdemos alguém de quem
gostamos esquecemos que há outras pessoas que gostam de nós e da nossa
presença. Todos nós perdemos alguém! Os tristinhos do Natal poderiam pensar na
felicidade que as suas presenças podem despertar nos outros, investir na
companhia dos amigos e tentar convertê-los na sua família. Os tristinhos do
Natal não fazem isso e evitam construir outras redes de afectos; assumem que
são casos únicos no mundo para despertar a compaixão dos outros.
Todos nós já
perdemos alguém muito querido e a vida é isto. A vida tem esta faceta cruel e
não precisa de ajuda para a tornarmos ainda mais cinzenta.
Vem aí o Reveillon, um dia igual aos outros, como
todos dizem. Vamos chorar toda a tristeza, guardá-la no meio de um papel de
seda e olhar à volta… aceitar o convite que nos enviaram para esperar o Ano Novo,
olhando as estrelas e o fogo de artifício, e de seguida descer até o mar
oferecendo flores a Iemanjá.
E não
esqueça de presentear os amigos, em qualquer momento do ano (tudo menos peúgas,
pijamas e cuecas). Eles gostam. Quem não gosta? O carinho é sempre
reconfortante. E não precisa de comer orelhas-de-abade, nem assistir pela
trigésima vez ao filme “Sozinho em casa” e nem de suportar o mau hálito da tia
Elsie.
Os
tristinhos do Natal só têm uma vantagem, a roupa não encolhe.
Boas
entradas.
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