Camaro Lindo
Um amigo meu,
olhou-me de soslaio com olhar crítico, pensando que eu tinha enloucado, quando afirmei que até do
cheiro a combustível queimado, eu tinha saudades. Gostava do som dos motores,
dos arranques, do chiar dos pneus nas curvas, dos estampanços… Claro que era eu
a dissertar sobre as corridas de Vila Real, realçando que várias gerações
vibram ou já vibraram com este grande evento de rua, que Vila Real se habituou
a ter, umas vezes tendo e outras não tendo, mas fazendo parte da identidade
desta cidade e dos seus cidadãos. Velhos e novos, geralmente gostam dos motores
a acelerar. Venham-me dizer que o som dos automóveis é todo igual… não é mesmo!
Em 1931 este gosto germinou e cresceu até hoje, com muitas intermitências,
alimentando as emoções, as vivências e constituindo memória logo após a chegada
dos automóveis à meta.
Costumo receber
os meus amigos em Trás-os-Montes, brindando-os com uma miniatura de um
pucarinho de Bisalhães atada a um texto de Camilo Castelo Branco. Depois numa segunda
volta, ofereço um livro da Graça Morais, “ilustrado”
com o Reino Maravilhoso de Torga. Numa terceira volta, é um livro sobre as
corridas de Vila Real que eu selecciono para oferecer. Este evento, só da minha
parte, já correu mundo: Brasil, Canadá, Austrália, India, Rússia, Chile… levar
Vila Real a todos estes lugares, é obra! Alguns maluquinhos das máquinas
corredoras, não sabem bem se Portugal é uma região de Espanha, mas sabem onde fica
Vila Real das corridas, pelo seu circuito urbano.
Nesta cidade, sou
sempre um ser de passagem e portanto não fui assídua entre os motores, mas fui
assistindo à mudança das metas: primeiro em frente ao parque florestal, depois
na avenida Aureliano Barrigas, Mateus e no sítio actual. Comecei o meu
currículo, ainda muito criança, em Julho de 1966.
Não posso deixar
de escrever que assisti a uma final memorável, em 1973, na sua 20ª edição,
entre Ernesto Neves e Pêquêpé, ambos corriam com Chevrolets Camaros, de
trabalhar inconfundívelmente manso, sereno, eficaz e silencioso, primos direitos
de um carro do meu pai, que nos tinha transportado até à aldeia da Bouça, para
vermos as corridas no percurso de Abambres. Foi emoção até ao fim, num despique
frenético… Emoção, ansiedade, nervosismo, roer de unhas, palmas e palmas, para
o Camaro lindo, amarelinho, que acelerava potentemente estrada fora e nós em
cima de um muro, virando rapidamente a cabeça para acompanhar a velocidade ao
passar, sob um sol escaldante do mês de Julho.
Durante alguns
anos, assisti na curva da salsicharia, ou curva da Pensão Areias, que remata a ponte
metálica… o melhor sítio para ver e ouvir a curva e por vezes, presenciar a
lata a bater nos railes, circunscrevendo alguns peões no desfazer da curva, desenhada
em ângulo recto entre as casas novecentistas. No meu apartamento, a mesa era grande, recheada
de deliciosos petiscos de Vila Real e muita bebida… sempre abastecida durante 3
dias, apoiando os treinos e as finais, para a família e para os amigos, que iam
rodando em minha casa, assistindo com visão privilegiada em plano picado, sobre
os automóveis em movimento. Ter os automóveis a correr à porta de casa, gerava
conflitos óbvios com as entradas e as saídas, dos que já nasceram velhos e com
mau feitio.
Numa cidade
deserta de eventos como era Vila Real há uns anos, as corridas eram o raio
de sol que batia para cá do Marão. Não interessava apenas o espectáculo em si,
anunciado, organizado num calendário, com horas marcadas e pista vedada…
durante a noite, nascia uma festa dentro de outra festa. Os mais fanáticos,
loucos, divertidos e palhaços, criavam a "corrida dos aceleras", que tinha tanto
de hilariante e divertida, como de perigosa e inconsciente. Jogava-se de gato e
de rato com a polícia, numa corrida clandestina de veículos barulhentos, feitos
de lata velha e sem matrícula, que arriscavam tangências, peões, engasgadelas
de motor e outras peripécias improvisadas, colhendo grandes aplausos das
plateias já organizadas para o efeito. Todos calçávamos sapatilhas, no caso de
ter que lhes dar corda e rapidamente ir para os locais vazios da polícia, ou
ter que escapar a situações complicadas. Isto passava-se depois das 22h e
estendia-se até às tantas.
Não há gosto sem
desgosto! Tenho engolido rotundas limitadas por pneus, semi-rotundas, “uma
espécie” de rotunda, trânsito condicionado, vedações e rails… quando se fazem
opções, ganha-se e normalmente sempre se perde alguma coisa. Eu que não me
sensibilizo com as grandes questões da mecânica e muito menos de competição,
desconhecendo a função e a articulação entre motores, escapes, válvulas,
carburadores, turbos, mergulho nesta adrenalina das 4 rodas, nem sei bem porquê.
Até me agrada o cheiro do combustível queimado e o ronrorar dos motores são
música para os meus ouvidos! Venha o diabo e o Deus explicar isto, mas que se
sentem numa bancada para assistir a uma final. Tragam chapéu!
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