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A saudade que o tempo não mata. Alivia um pouco, mas não
mata nem cura. Junto das lágrimas as palavras custam a sair, juntam-se de forma
estranha e ficam presas na garganta como se esta fosse um desfiladeiro de
palavras retidas. A saudade fica assim meio adormecida em nós, sem almofada,
sem edredon, sem sedativo, fazendo de conta que já não existe, confirmando a
nossa certeza que já tudo passou. Um belo dia normalíssimo, como muitos mais
deste verão infernal, olhando e tomando a brisa entre as nove e as dez, e
desenhando o meu olhar sobre outro olhar, a saudade apanha boleia nas lágrimas
sedentas de luz e resolve me dizer que afinal a saudade acordou mais uma vez,
espreguiçando-se despudoradamente perante o olhar sobre mim de mim, não se
incomodando com a paisagem, com quem estava presente, se eu tinha ou não lenço
de papel.
Hoje dando continuidade dessa saudade e sintetizando-a nas
lembranças de tantos aniversários teus, verifiquei que não me ensinaste
mecânica. Ensinaste-me muita coisa. Ensinaste-me a fazer paredes de tijolos,
ensinaste-me a juntar areia e cimento, ensinaste-me a esticar aço, ensinaste-me
a fazer cal, ensinaste-me a modelar estribos, ensinaste-me a misturar tintas e
adaptar diluentes, ensinaste-me os cuidados para manipular a electricidade. Sei
lá tanta coisa útil que me ensinaste, ensinaste-me até a chorar e não ter
vergonha disso, mas não me ensinaste mecânica ou eu não quis aprender, não sei
bem e hoje me fez falta.
Mais um aniversario pai e eu cá em baixo a fingir que não te
lembro-
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela
Quelhas 12julho2013
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