A ZONA DE CONFORTO
Numa
conversa em vão de escadas de um museu, à saída de uma exposição de pintura, acabamos
por falar sobre a nossa zona de conforto e a preocupação com a avaliação dos
outros sobre nós.
Não ter
medo, não nos auto-bloquearmos de tal forma que nos impeça de fazer aquilo que
nos agrada e que nos emociona, é algo que nos engrandece.
A arte só
acontece quando saímos da nossa zona de conforto, quando nos aventuramos fora da
“caverna” e nos tornamos disponíveis para partilhar o que pensamos e o que vai
no nosso mundo interior. Essa abertura confere-nos vulnerabilidades, porque se
tornam visíveis as nossas fragilidades e podem traduzir-se em pintura,
literatura, poesia, fotografia, cinema, teatro... A Alegoria da Caverna de
Platão explica como poderemos deixar de ser prisioneiros de nós próprios. Se
permanecermos na caverna, observando eventualmente apenas a sombra de nós,
teremos uma perspectiva rudimentar de nós e do mundo.
Júlio Pomar
dizia que a vida nos despe no momento de escrever ou de pintar.
A vida
envolve-nos e arrasta-nos com ela, como simples passageiros do tempo. Repetimos
rotinas, hábitos, comportamentos, sufocados ou enquadrados pela crença ou fé
religiosa, sem percebermos que poderemos mudar ou alterar algo. E os dias
sucedem-se. Ter a noção que, ou continuamos na mesma, ou teremos que nos
aventurar a mudar, já é bom, mas não chega. E o que fazemos? Acomodamo-nos no
sofá, favorecemos a nossa insatisfação, aceleramos a frustração e
experimentamos o acre do silêncio que nos grita aos ouvidos para sairmos do
conforto e da segurança. A azia e a angústia convertem-se em sentir crónico, não
havendo kompensan que nos salve!
Criatividade
não se desenvolve em zonas de conforto – a criatividade, aquilo que nos
entusiasma e surpreende, as borboletas na barriga ou as hormonas aos saltos,
exigem aquele passo em frente, mesmo que o risco seja cairmos num precipício...
Poderemos cair, ou não. Teremos que lidar sempre com essa incerteza, mas não
permitindo que ela nos engula.
Na zona de
conforto não é necessário pensar, questionar, avaliar, nem tomar decisões. A
decisão é algo de grande responsabilidade. É mais fácil optar pelo igual, do
que pelo diferente. Parece que tudo está bem, que estamos seguros, porém, é
exactamente o contrário. Permanecer na zona de conforto, é não viver, é mirrar diariamente.
Os governantes governam mais facilmente com a população situada em zona de
conforto – ligam o piloto automático e pronto.
Viver é
enfrentar desafios, eliminar medos, construir coragem, acreditar mais em nós e
confiar. É desenvolver a capacidade de resolver problemas, apostando na criatividade
em autonomia e elevando auto-estima, respeitando o nosso espaço e o dos outros.
Depois de saírem
da caverna, experimentem regressar. Não é qualquer sombra que vos encantará ou
vos aterrorizará, porque irão observar não só a sombra como a envolvente da mesma,
sentindo sempre que, fora da caverna é onde se encontra o vosso EU mais autêntico.
Verão que cada um será já outra pessoa, mais segura, mais conhecedora do mundo
e melhor. Sempre melhor, mesmo que tenham caído no precipício. Se isso
acontecer, terão pelo menos essa aventura para contar.
Publicado em NVR 17|11|2021