17 abril, 2019

Ovos/coelhos


Ovos/coelhos

            Só passei por aqui para vos desejar uma feliz Páscoa, se isso ainda for possível.
            Não é fácil resistir ao Domingo de Ramos. O singelo ramo de oliveira degenerou e quem ficou a ganhar foram as floristas. Todos vamos à florista comprar um elemento floral para cumprir o ritual de ofertar os nossos padrinhos. Se chegamos cedo, temos por onde escolher, ramos e ramalhetes já pré-confeccionados, por vezes de gosto requintado, por vezes de gosto duvidoso. É só escolher e pagar, sem grandes esperas, até porque o nosso carro ficou mal estacionado e a fila cresce. Se já vamos tarde, encontramos a loja da florista como se tivesse sido invadida por um elefante desatinado.
            Não tem tulipas amarelas? Levas gerberas cor-de-rosa! Não tem rosas? Levas malmequeres! sei lá, levas o que há embrulhado em papel celofane de todas as cores, perfeitamente consciente que a botânica fresca só resiste dois ou três dias, e tanto faz. Queres gastar mais dinheiro, adquires o top do top da floricultura: a bela, a frágil, a delicada e a temperamental orquídea, que eu considero horrenda.
            Novos e menos novos, perfilam para entregar o ramo aos padrinhos, quando já ninguém sabe o que é pedir a bênção, nem o significado do ramo. Os mais novos candidatam-se com entusiasmo a um folar constituído por jogos e às inúmeras ofertas cativantes dos supermercados da secção infantil. Os menos novos, com menos entusiasmo, receberão uma peça de roupa da Zara ou os mais sortudos um envelope com euros no seu interior. Onde fica o antigo folar? O bolo?  
            As casas levam uma limpeza melhorada para receber os afilhados, que tanto podem aparecer logo de manhã, como ao fim do dia. Se não houver tempo, sempre se varre para debaixo dos tapetes, dá-se uma arejadela à casa e limpam-se os vidros da sala. Só os da sala.
            Se estavam a pensar dormir até tarde, porque é Domingo, é melhor não. É deselegante receber as visitas em chinelos, a arrastar os pés, com o pijama amassado, o cabelo em desalinho e ainda com a boca a saber a papel de música, consequência das caipirinhas de sábado à noite.
            Cumprida essa etapa, entramos na Semana Santa a preparar-nos para a tal Páscoa. É uma semana agitada que oscila entre as compras dos “folares”, da preparação do almoço melhorado da Páscoa e as emissões televisivas, com filmes religiosos sobre a Paixão de Cristo, onde abunda o sangue, a violência e em que todos já sabem o final do filme, sem surpresas, mas insistem em ver novamente.
            Mas, só passei por aqui para vos desejar uma feliz Páscoa e para partilhar convosco esta coisa mal resolvida dos ovos e dos coelhinhos de chocolate. As criancinhas, taditas, todos os anos confundem aves com mamíferos, ovíparos com vivíparos, e ficam com os conceitos meio abalados, pois, coelhos não põem ovos e Cristo, nada tem a ver com isto. Haverá uma quinta especial no reino de Deus?
            — Oh, meu Deus, perdoai-me!
            Por favor não se intoxiquem com ovos de chocolate, pão-de-ló e finalmente com o cordeiro, que é anho, e ou cabrito. A glicose e o colesterol alimentam-se vorazmente e sem misericórdia, nestas épocas de grande comilança. E deixo um conselho: é preferível acreditar em coelhinhos de Páscoa, do que em buracos negros, em políticos supostamente ingénuos, promessas eleitorais, familygate, o concurso ridículo para 86 médicos de família e a velha roubalheira do tempo de serviço dos professores.
            Eu até prefiro acreditar que a Terra já não é redonda e não gira à volta do Sol!

Nota:
Ovos/ Coelhos
Versão 1 — Para os pagãos, a lebre era símbolo da fertilidade, representava a esperança de novas vidas e foi adoptada pelos Cristãos, associando-a à Páscoa e à Ressurreição, como renovação da vida e transformando-se ao longo dos tempos, em coelho. O significado dos ovos é idêntico.
 Versão 2 — Lenda sobre uma mulher pobre que coloriu alguns ovos de galinha e os escondeu, para os dar aos seus filhos como presente de Páscoa. Quando as crianças descobriram os ovos, um coelho passou correndo e estas passaram a acreditar que o coelho trazia os ovos.

In Revoltando os dias, NVR 17/04/2019

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