Ovos/coelhos
Só passei por aqui para vos desejar
uma feliz Páscoa, se isso ainda for possível.
Não é fácil resistir ao Domingo de
Ramos. O singelo ramo de oliveira degenerou e quem ficou a ganhar foram as
floristas. Todos vamos à florista comprar um elemento floral para cumprir o
ritual de ofertar os nossos padrinhos. Se chegamos cedo, temos por onde
escolher, ramos e ramalhetes já pré-confeccionados, por vezes de gosto
requintado, por vezes de gosto duvidoso. É só escolher e pagar, sem grandes
esperas, até porque o nosso carro ficou mal estacionado e a fila cresce. Se já
vamos tarde, encontramos a loja da florista como se tivesse sido invadida por
um elefante desatinado.
Não tem tulipas amarelas? Levas
gerberas cor-de-rosa! Não tem rosas? Levas malmequeres! sei lá, levas o que há
embrulhado em papel celofane de todas as cores, perfeitamente consciente que a
botânica fresca só resiste dois ou três dias, e tanto faz. Queres gastar mais
dinheiro, adquires o top do top da floricultura: a bela, a frágil, a
delicada e a temperamental orquídea, que eu considero horrenda.
Novos e menos novos, perfilam para
entregar o ramo aos padrinhos, quando já ninguém sabe o que é pedir a bênção,
nem o significado do ramo. Os mais novos candidatam-se com entusiasmo a um folar
constituído por jogos e às inúmeras ofertas cativantes dos supermercados da
secção infantil. Os menos novos, com menos entusiasmo, receberão uma peça de
roupa da Zara ou os mais sortudos um envelope com euros no seu interior. Onde
fica o antigo folar? O bolo?
As casas levam uma limpeza melhorada
para receber os afilhados, que tanto podem aparecer logo de manhã, como ao fim
do dia. Se não houver tempo, sempre se varre para debaixo dos tapetes, dá-se
uma arejadela à casa e limpam-se os vidros da sala. Só os da sala.
Se estavam a pensar dormir até tarde,
porque é Domingo, é melhor não. É deselegante receber as visitas em chinelos, a
arrastar os pés, com o pijama amassado, o cabelo em desalinho e ainda com a
boca a saber a papel de música, consequência das caipirinhas de sábado à noite.
Cumprida essa etapa, entramos na Semana
Santa a preparar-nos para a tal Páscoa. É uma semana agitada que oscila entre
as compras dos “folares”, da preparação do almoço melhorado da Páscoa e as
emissões televisivas, com filmes religiosos sobre a Paixão de Cristo, onde
abunda o sangue, a violência e em que todos já sabem o final do filme, sem
surpresas, mas insistem em ver novamente.
Mas, só passei por aqui para vos
desejar uma feliz Páscoa e para partilhar convosco esta coisa mal resolvida dos
ovos e dos coelhinhos de chocolate. As criancinhas, taditas, todos os anos
confundem aves com mamíferos, ovíparos com vivíparos, e ficam com os conceitos
meio abalados, pois, coelhos não põem ovos e Cristo, nada tem a ver com isto. Haverá
uma quinta especial no reino de Deus?
— Oh, meu Deus, perdoai-me!
Por favor não se intoxiquem com ovos
de chocolate, pão-de-ló e finalmente com o cordeiro, que é anho, e ou cabrito.
A glicose e o colesterol alimentam-se vorazmente e sem misericórdia, nestas épocas
de grande comilança. E deixo um conselho: é preferível acreditar em coelhinhos
de Páscoa, do que em buracos negros, em políticos supostamente ingénuos,
promessas eleitorais, familygate, o
concurso ridículo para 86 médicos de família e a velha roubalheira do tempo de
serviço dos professores.
Eu até prefiro acreditar que a Terra
já não é redonda e não gira à volta do Sol!
Nota:
Ovos/ Coelhos
Versão 1 — Para
os pagãos, a lebre era símbolo da fertilidade, representava a esperança de
novas vidas e foi adoptada pelos Cristãos, associando-a à Páscoa e à
Ressurreição, como renovação da vida e transformando-se ao longo dos tempos, em
coelho. O significado dos ovos é idêntico.
Versão 2 — Lenda sobre uma mulher pobre que coloriu
alguns ovos de galinha e os escondeu, para os dar aos seus filhos como
presente de Páscoa. Quando as crianças descobriram os ovos, um coelho passou
correndo e estas passaram a acreditar que o coelho trazia os ovos.
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