Ir ou não ir
Ir, ou não Ir
de férias. Eis a questão que se coloca a muitos casais neste verão infernal.
Todo o ano, cheios de rotinas, de horários sobrecarregados, sempre a correr,
enfrentando filas de trânsito, tratar das crianças, exige umas férias, que
serão o oásis desejado na vida das pessoas.
- Môôor, vamos
de férias para uma praia com os garotos, descansar, fugir desta vida citadina
frenética, andamos tão cansados, ainda temos dois meses para arranjar
alojamento…
- Ok Krida, vou
preparar tudo com tempo, alinhar a direcção e trocar dois pneus do carro… achas
que faça depilação aos ombros?
- Claro, caso
contrário mostrarás o Carpélio que há em ti. Eu vou fazer laser e jet bronze
para levar já uma corzinha e a partir de hoje, só como saladas.
Tudo bem
planeado pelos casais na expectativa de que irão viver uns dias românticos no
Éden, pelo menos é com isso que sonham todas as noites - reservas pela net,
unhas de gel, dieta, fato de banho novo, corte no barbeiro, madeixas no
cabeleireiro…
Chega o dia terão
de atravessar Portugal para chegar a uma praia localizada bem a sul, para
assegurar a água menos fria. O automóvel fica acanhado, com as malas, as
tralhas da praia e a prancha gigante. A porta da mala consegue fechar-se e as
crianças têm que levar o colchão de ar debaixo dos rabiotes apesar dos
protestos.
Os primeiros 20
km correm bem, depois o banco de trás revela-se insuficiente para as duas
crianças que disputam o espaço ao milímetro, beliscando-se dando calduços,
mordendo-se e proferindo constantemente, “chega pra lá”, transformando o
habitáculo numa verdadeira batalha campal. Só se interessam pelo que vão comer
e quanto tempo falta para chegar à área de serviço.
Viva as férias!
Relaxar,
carregar baterias, viver uns dias fixes à beira-mar, sem stress, dormir muito, usufruir da família…
Chegam
finalmente. Saem de um edifício de apartamentos e entram num edifício de
apartamentos, o que mudou foram apenas os vizinhos, que aqui são bem mais
barulhentos e o espaço que é menor. Ou saem de uma moradia e entram num
apartamento, o que de facto não se entende. Normalmente as férias têm menos
conforto do que usufruem o resto do ano, o que é bizarro e faz pensar.
Mas férias são
férias!
O que interessa
é relaxar.
-Oh diabo,
primeiro dia de praia, chegámos tarde e com uma dor de cabeça do camandro por
falta de cafeína logo às 7 horas da manhã. A praia está cheia, quase não sobra
um sítio para estender a toalha! Teremos que vir mais cedo, toca a levantar de
manhã, minha gente!
-Hummm a
barriga cresceu, afinal os abdominais não resistiram a tanta cerveja! - pensa o
chefe de família.
O passeio à
beira-mar para admirar as garinas é feito com o sacrifício de um encolhimento
de barriga permanente até faltar o ar.
… e os putos
continuam a chatear, atiram areia para todo o lado, sempre a guerrear e a
querer bolas de berlim, gelados e línguas da sogra – estomagos sem fundo!
Keep cool! Não stresses, pá! Vamos tirar umas fotos com o telemóvel,
para mais tarde recordar. Um, dois, três, banana, um, dois, três, cheese,… o mesmo de sempre, um momento
de fingimento de alegria e felicidade, agora também agrupada numa selfie.
Este ano, vamos
sempre jantar fora, para evitar a canseira da cozinha, compras, o cheiro de
cebola frita…. Filas intermináveis e as ementas em inglês, tiram-nos do sério.
Então a caldeirada, as iscas de fígado, a sardinha e a feijoada? Querem ver que
o empregado de mesa insiste em falar connosco em inglês? Comer hambúrgueres e
combinados, tudo bem, mas ter o azar de encontrar montes de pessoas que se cruzam
connosco o resto do ano e ter que cumprimentar e falar do tempo, pendurar um
sorriso de orelha a orelha, falar do alojamento e fingir que estamos no
paraíso, as melhores férias de sempre. Fantásticas. É demais! Todos decidiram
vir para este lugar, como se não houvesse outra praia no mundo. Que azar!
-Môôôôr vamos
pedir ao pintor para fazer o retrato das crianças? Que giro, oh são
caricaturas, ai que engraçado!
Lá vão as
crianças fazer pose, uma delas insiste em por cornos à outra. O resultado é
sempre o mesmo: uns primos afastados das crianças numa caricatura manhosa, que
todos aplaudem e acham admirável.
Para fortalecer
as férias vamos comprar ricuerdos Ti
Maria nas lojas ou nas barracas, enchemos um saco de pedras contra o
mau-olhado, ímanes para o frigorífico, bangla
dans, ray bans de 3 euros, grãos de arroz pintados que só os míopes veem e
outros pechisbeques horrorosos, que não prestam para nada e que se compram por
falta de alternativa e porque o sol nos põe a pensar devagar.
E as férias terminam numa viagem de
regresso ainda mais esgotante, com o sol a bater continuamente no braço
esquerdo do condutor, uma odisseia com as áreas de serviço cheias, com fila
para os WC e nós mais cansados e desiludidos com estas maravilhosas férias que
desejámos e imaginámos ao longo do ano. O bronze nunca falha, valha-nos ao
menos isso, porque as fotos,… socorro, o
cenário tinha sempre uma mama fora do soutien, um rabo com celulite, uma
garrafa de plástico abandonada, umas pernas com varizes, uma pirisca ou uns pés
com joanetes, dos nossos companheiros de infortúnio de praia lotada.
Publicado em NVR em 29/08/2018
1 comentário:
O horror das férias!
Diz a má língua que as férias foi uma invenção de um professor já farto de aturar os seus alunos.
Fez mal!
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