Só falta fazer um desenho
Agora percebo a polémica de quem tem
direito a ir passar o resto dos dias até à eternidade no Panteão Nacional.
Finalmente fez-se-me luz. A morte tem
muito que se lhe diga. Uma coisa é morrer e ir para o cemitério, ficar lá
eternamente sempre em filinha e em esquadria e ser visitado pelas viúvas e
viúvos chorosos, a tresandar a naftalina e a crisântemos, outra coisa é morrer
e ir ocupar espaços alternativos e
comerciais da DGPC (Direcção Geral do Património Cultural). Pode-se morrer e
ser tumulado (acabei de inventar a
palavra), num espaço onde vão os turistas mórbidos e as visitas de estudo de
adolescente endiabrados – nesta situação a qualidade de morte é mais elevada,
menos monótona que a primeira. Mas
bom, bom é morrer e ser tumulado em espaço com vista para salão de festas, por
onde passam as ladies de vestidos cheios de brilhos e transparências e os mens com asa de grilo e muito gel na repa,
perfumando o espaço, com perfume “Já cheguei”. Estes últimos podem deliciar-se
em visualizar verdadeiros manjares de rei, sentir os odores da alta
gastronomia. Uma coisa é cheirar o chicharro frito que salta a parede do reles
cemitério, outra coisa é sentir o aroma da lagosta em vapor e do caviar. Uma
coisa é sentir o pisar dos sapatos ortopédicos que se moldam aos calos da
terceira idade, outra coisa é sentir o pisar delicado de um tacão de 10cm da
Diamond Shoe. Uma coisa é ouvir o fru fru da meia calça comprada no Jumbo.
Outra coisa é ouvir o fru fru da meia de fio fino de seda adquirido em
Londres na Pantyhose. Uma coisa é um cuecão que rola há varias décadas já sem
etiqueta, outra coisa são uns boxers anatómicos Calvin Klein. Uma coisa são os
perfumes de marca branca comprados nas parafarmácias, outra coisa são os
perfumes originais Dior. Uma coisa é ouvir um reles Fiat a estacionar à porta
do cemitério, outra coisa é ouvir o ronrorar de um Ferrari. Uma coisa é uma
carraspana de tinto carrascão outro coisa é um alegrete no final de vários Moet
Chandons. Uma coisa é teres um coveiro desdentado a ordenar as campas rasas,
outra coisa é teres a sra diretora do Panteão a rentabilizar e a seleccionar a
clientela.
Quem teve a sorte de estar no Panteão, saiu-lhe a sorte
grande, pois segundo parece (Isabel Melo), muitos jantares se organizam por
ali.
"Demitir-me? Nem pensar" diz
a senhora directora. E eu concordo com ela, reanimar os mortos é uma boa acção e
faz-se muito dinheiro para suportar a manutenção destes edifícios. É preciso
lixívia para os sanitários, palha d’aço para os cromados, naftalina para os
túmulos, óleo para as dobradiças, …
“Aqui não há corpos. Há sempre essa
confusão. Sempre que há algum evento aqui no corpo central, as salas tumulares
estão todas fechadas” – essa parte é que eu acho mal, já me parece do tipo
estraga-prazeres. Então só o corpo central pode assistir à comerzaina e os outros corpos? Assim, os
que lá estão já nem se podem organizar para socializar:
- Oh
people passem para cá uns tournedos de Rossini,
eu quero uma Vichyssoise,
que saudades de um croquete,
raisparta o gourmet
eu quero comida bem portuguesa, sardinhas, peixinhos da horta, favas com
chouriço.
Acho mal, fecharem-lhes a porta.
Comigo, a partir de agora, já vou avisando, é assim:
Jantar especial tem de ser em Paris junto do Napoleão. O resto é um deja vu.
Escrevendo a sério, esta não novidade
foi hilariante. A corrida desenfreada ao lucro dá nisto.
Fui ler o despacho 8356/2014, as minhas
gargalhadas duplicaram.
Artigo
3.º
Princípios
Gerais
1. Todas
as atividades e eventos a desenvolver terão que respeitar o posicionamento
associado ao prestígio histórico e cultural do espaço cedido.
2. Serão
rejeitados os pedidos de carácter político ou sindical.
3.
Serão, ainda, rejeitados os pedidos que colidam com a dignidade dos Monumentos,
Museus e Palácios ou que perturbem o acesso e circuito de visitantes bem como
as atividades planeadas ou já em curso.
Ora políticos e sindicalistas não são
recomendados. Se for o casamento de um Salgado vá que não vá, agora se for
jantar de Natal de um sindicato, isso não.
Uma
coisa é um jantar de Halloween, outra coisa é um jantar da Web Summit O
Halloween´está para o MacDonald, assim como a WEB Summit está para o Panteão
Nacional. Mai nada!
Se for uma reunião de carteiristas,
poderá ser? E se for apresentação de um livro sobre Alves dos Reis?
Se for um baile de debutantes pode? E
se for uma dança de varão, não pode? E se for Pole Dance integrada em feira medieval
ou seja a bailarina vestida de D. Urraca, já pode?
Onde anda o bom senso dos que aprovam
estes eventos? Ainda é preciso mais legislação? Acho que só falta fazer um
desenho!
Por
favor parem, senão salto em andamento!!!!