REVOLTAR ABRIL
Constato
como se sentem penalizados, aqueles que ouvem falar da revolução de abril, mas
não tiveram oportunidade de a viver, ao vivo e a cores, aqui tão perto, tão
imprevisível, tão genuína e tão pensada, porque simplesmente ainda não eram
nascidos ou então, eram crianças e tudo lhes passou ao lado. Ainda hoje,
preparando a data, eu recordava abril com um colega e os outros ao lado,
viraram-se para nós, para ouvir melhor o que contávamos sobre os anos de 74 e
75.
- Oh! quantos anos tinhas em 74?
Certamente ainda comias cerelac!!!!- perguntei e afirmei eu provocatoriamente.
- Tinha 4,… tinha 5,… ainda não
tinha nascido…. Responderam com olhar triste, pois faltou-lhes um “bocadinho
assim” para viverem um grande momento histórico, que aliado à irreverência da
juventude, se tornou uma marca que une toda uma geração.
Geração
que hoje, olha tudo com uma enorme consciência critica, sobre a situação actual
deste pais pretensamente democrático, sobre algumas atrocidades feitas em nome
da liberdade e afirmando que ainda há muita história por contar, porque não
convém que se conte por enquanto, mas não conseguem fingir um brilho de olhar,
recordando aquela época.
Recordámos
os grandes murais pintados nas ruas, onde apareciam sempre a foice e o martelo,
realizados pelo PCP e pelo MRPP. Recordámos os cartazes e os autocolantes – as
artes gráficas ainda sem recursos tecnológicos ao serviço das máquinas
partidárias. Recordámos essencialmente as frases bombásticas, que apareciam nos
sítios mais inesperados e emanavam um sentido de humor fabuloso. Não saberemos
nunca quem as inventou, a maioria assinada pelos anarquistas (o A maiúsculo
rodeado de uma circunferência), mas algumas perduram nas nossas memórias, já
perdidos os contextos e as circunstâncias, mas recolocando um sorriso nos
nossos lábios, a saber:
- Abaixo a foice e o martelo,
Black and Decker ao poder!
- P—as ao poder, porque os filhos
já lá estão!
- O socialismo está em
construção, visite o andar modelo.
- A China vai de Mao a pior!
- A Madeira tem caruncho!
- Abaixo o odor corporal!
- Abaixo os ovos estrelados, os
pintainhos tem direito de nascer!
- Abaixo a reacção. Viva o motor
a hélice!
- Mortos da valas comuns, ocupem
os jazigos de família, já!
- Se Deus existe, porque não se
recenseou?
- O povo unido não precisa de
partido.
- Abaixo o sabão amarelo, abaixo
a tinta da china! Independência Nacional!
- Abaixo o café de saco e a
cevada, cimbalino ao poder!
- Mais vale uma na mão, do que
duas no soutien!
- Promoção
imediata do leitão a porco.
- Não há eleições. D. Sebastião
volta para a semana.
- Deixemo-nos
de Barreirinhas, vamos ao salto em altura.
- O
Governo é uma m--da. De quem é a culpa, da m--da ou do Governo?
- Queremos dormir com as nossas
mulheres!
- Nem mais um anticiclone para os
Açores!
- Nem mais um faroleiro para as
Berlengas!
- Os galos pedem a nacionalização
dos ovos.
- Anarquia sim, mas nem tanta!
- Viva isto, seja á o que for!
Muito
ainda se irá recontar sobre Abril e certamente também esta faceta alegre e
satírica dos jovens libertários.
AQ
Publicado em NVR
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