Requalificação da Avenida
Começou.
As árvores
já foram. A avenida apresenta um pouco a sua modesta nudez aos vila-realenses
estupefactos e indignados.
A opinião da
população divide-se e regista-se nas redes sociais, uns, a favor outros contra.
Utilizam-se palavras como traição, punhalada, destruição, atrocidade, virar do
avesso, palhaçada, excentricidade, porcaria,…
Houve
apresentação e consulta pública do plano, se os vila-realenses se manifestaram
nos locais adequados e se isso foi tido em consideração, deduz-se que a maioria
optou pela mudança.
Entre as
opiniões, entre o supostamente certo e o supostamente errado, entre os
ingénuos, os astutos e os maliciosos, esgrimem-se sensibilidades e/ou
disfarçadamente, estratégias políticas, memórias de má memória, e argumentos
por vezes, meio tontos, tanto de um lado como do outro. A maioria apesar de
pouco perceber de morfologia urbana, de tipos de intervenção em malha urbana
histórica, tem o direito de manifestar a sua sensibilidade perante o caso, pois
esta é a sua cidade e assiste-lhe o direito cívico do protesto. É interessante
verificar que as opiniões também se vão alterando mesmo por parte dos técnicos
responsáveis pelas obras desta cidade. Registo com um sorriso, que tive um
projeto chumbado no centro histórico, há mais de vinte anos, apenas porque
introduzi uma caixilharia azul escura num estabelecimento comercial. Ainda bem
que as opiniões se alteram.
Mas se há
polémica, esta deve preocupar o município, porque se verifica certamente uma
das situações:
1 – A
informação não foi suficiente e transparente.
2 – Não é a
melhor solução.
A mudança,
tráz consigo, sempre algum desconforto e também todos sabemos que não há
soluções perfeitas, nem é possível agradar a todos. A mim, pessoalmente,
desagrada-me agradar a todos e desculpem-me por vezes agrada-me a ruptura,
apesar das consequências que existirão sempre.
Eu não sou
de cá, mas percebo que este é um espaço que mexe com a identidade dos cidadãos
e a solução apresentada de facto não respeita essa identidade. Considero também
que a avenida já era uma avenida amputada num dos extremos, com as obras que
foram realizadas, substituindo o jardim central localizado em frente à Câmara
Municipal, por um terreiro com uns repuxos. Um projecto que tanto pode estar
ali como poderia estar em Singapura, mas que permite a permanência e a
realização de alguns eventos, o que parece animar e agradar aos vila-realenses.
Incomodou-me essa mudança inicial, amputar 1/3 da avenida, porque esta, vale
por um todo e não só por uma parte. Os 2/3 foram o que restou de uma avenida
amputada, seccionada que ficaria aleijada para o resto da vida. O plano actual,
não sei se irá mexer com a identidade dos cidadãos, mas já não me escandaliza,
penso que é sequência do que se iniciou, mal ou bem. As duas partes são tão
díspares e inconciliáveis, que tenho dúvidas se seria melhor manter esta situação
de compromisso irreal.
Tenho sido
ouvinte e tenho evitado comentários, porque nem percebo o desacordo de alguns,
apenas porque, politicamente, ocorreu uma mudança – a velha guerra PSD/PS.
Seria suposto que não haveria grande polémica, atendendo a que já só tínhamos 2/3
da avenida.
Uns
preocupam-se com as árvores, outros com a calçada, outros com a alteração das
vias, outros com o jardim e outros com aquilo que não se via e vai passar a
ver. A cada cabeça, sua sentença.
O espaço
caracteriza-se pela junção de vários elementos, árvores, jardim central,
passeios laterais, zonas de estar, esplanadas, calçada, esquema viário, os
edifícios, estátuas, fontes, zonas de atravessamento, etc. É esta amálgama de
elementos urbanos que caracteriza um espaço, proporciona uma certa vivência e
onde se registam memórias. Não se pode fazer uma contabilidade, comparando
metros quadrados, número de árvores, lugares de estacionamento, zonas para
peões, etc etc..
Esta é uma
intervenção de mudança e verdadeiramente estrutural, que afectará o centro
histórico e o postal ilustrado da avenida do século XIX. Não vale a pena
disfarçar e muito menos comparar com a Avenida dos Aliados no Porto, como um
bom exemplo a seguir, que não o é. É uma intervenção de ruptura que irá marcar
a cidade por uns bons anos.
As
intervenções urbanas normalmente regem-se por um bom plano de intenções. Os
arquitectos, sociólogos, economistas e engenheiros, não andam aqui a criar
planos diabólicos só para chatear. Não. Os planos de intenções tentam resolver
problemas e responder às novas exigências dos utentes que vão mudando,
consoante a evolução dos tempos e das gerações. Falta saber se as soluções
serão as melhores. No esboço, na maquete e no projecto, por vezes tudo parece
bem, esteticamente equilibrado, porém, ninguém pode antever se os cidadãos se
irão identificar com o novo arranjo urbano. A maioria dos cidadãos não faz
leituras de eixos, direcções, equilíbrio de composição, relação forma/função,
integração/ruptura; faz uma leitura das entrelinhas dos afectos e da
permanência das pessoas. Temos um caso na nossa cidade, o Largo de S. Pedro,
que foi intervencionado para privilegiar o espaço pedonal e tudo parecia bem,
só que deixou de registar vivências, porque ninguém está lá. Uma solução que
funcionou ao contrário. Hoje quem permanece ali são os automóveis estacionados
e não há vivências dignas de registo, comparando com o “reboliço” que era há 20
anos. Perdeu vigor, pujança, identidade e memória, aquilo que sensibiliza os
cidadãos. Deixou de ser um sítio de permanência e passou a ser de passagem,
“asséptico” e murcho, com pouca valia por quem lá passa.
Projectar e
viver, são coisas diferentes. Mudar será sempre uma tarefa perigosa e arriscada
e, neste caso, irreversível, porém, é e continuará a ser praticada em todas as
cidades por esse mundo fora, que agrada a uns e desagrada a outros. Se por um
lado a conservação do património e da identidade de um povo é importante, a
mudança também é importante. Admiro a resiliência do nosso presidente, que até
destina tempo para prestar alguns esclarecimentos nas redes sociais, porém, tem
o seu cargo em risco e a “cabeça a prémio”. Espero que não, mas é um cenário
muito provável. A requalificação da avenida pode pôr em causa o trabalho de uma
equipa, realizado ao longo destes últimos anos, porque lembro mais uma vez, há
uma contra corrente política disfarçada, do não, apenas porque não. Reconheço
que é um acto de coragem concretizar este plano, mesmo tendo meia cidade contra
ele. Desconheço se seria urgente mudar ou se esta é a oportunidade para mudar.
Conflito e indignação? já gerou imensos. Eu seria mais radical, chegado a
fazer, acrescentaria ao nível inferior, a continuação do estacionamento, mesmo
contrariando a tendência europeia do peão e da bicicleta. Numa cidade à nossa
escala, sem automóvel ninguém vai a sítio nenhum — sei que é uma afirmação
politicamente incorrecta, mas é verdade.
Há que reforçar
a informação, explicar em detalhe ao que levou à mudança, as grandes vantagens
da mesma e o resultado da consulta pública. Expliquem claramente porque é
melhor fazer de novo do que remendar. Não enviem pelo correio, as fotos dos
presépios, enviem informação fácil de ler sobre isto que preocupa os munícipes.
Por favor esqueçam a Avenida dos Aliados, nós queremos muito melhor e rápido,
para que os benefícios, se os há, apareçam com brevidade aos olhos de todos.
Publicado em NVR, em 15/01/2020