"FELIZ ANIVERSÁRIO PRESIDENTE" - Manuel Victória Pereira
Voz: João Carlos Carranca
Tabuleiro de
xadrez explosivo jogado por várias mãos
Pouco percebo de política internacional, mas…
Vamos colocar os dados na balança:
- O Irão,
antiga Pérsia, com um território composto por uma área de 1 648 195 km2, é a
segunda maior nação do Oriente Médio e a 18.ª maior do mundo. Com mais de 77
milhões de habitantes, o Irão é o 17.º país mais populoso do mundo. É um dos
países mais antigos do mundo que começa com a formação do reino de Elam em 2800
a.C., ou seja, tem 4800 anos. Nunca foi colónia, e já experimentaram um regime
dito moderno, manipulado pelos Estados Unidos e parece que não gostaram. Em
1979 fizeram uma revolução e iniciaram um novo caminho, bom ou mau, é o caminho
deles, que foi referendado.
Capital: Teerão
Emissões de CO₂
per capita: 7,67 toneladas métricas (2022) Banco Mundial
Taxa de
fertilidade: 1,68 nascimentos por mulher (2022) Banco Mundial
Taxa de
crescimento do PIB: 5,0% mudança anual (2023) Banco Mundial
Produto Interno
Bruto: 404,6 bilhões USD (2023) Banco Mundial
PIB per capita:
4 465,64 USD (2023) Banco Mundial
Renda Nacional
Bruta: 1,598 trilhões PPP dollars (2023) Banco Mundial
1º país a
reconhecer o Estado de Israel.
- Os Estados
Unidos da América um país muito maior com uma área de 9 867 000 km² e uma população
de mais de 330 milhões de habitantes, o país é o quarto maior em área total, o
quinto maior em área contígua e o terceiro em população, porém, foi colónia inglesa
desde o sec. XVI e organizou-se como país independente em 1776, ou seja, tem apenas
249 anos de existência, conhecido como o país das oportunidades e pretende
mandar no mundo.
PIB per capita:
82 769,41 USD (2023) Banco Mundial
Capital:
Washington, D.C.
Emissões de CO₂
per capita: 14,56 toneladas métricas (2022) Banco Mundial
Taxa de
fertilidade: 1,66 nascimentos por mulher (2022) Banco Mundial
Taxa de
crescimento do PIB: 2,9% mudança anual (2023) Banco Mundial
Produto Interno
Bruto: 27,72 trilhões USD (2023) Banco Mundial
PIB per capita:
82 769,41 USD (2023) Banco Mundial
Renda Nacional
Bruta: 27,58 trilhões PPP dollars (2023) Banco Mundial
- Israel
– a criação do Estado de Israel aconteceu no dia 14 de maio de 1948, por
intermédio da Organização das Nações Unidas, como parte da divisão da Palestina
entre árabes e judeus, situação nunca aceite pelos primeiros. Os judeus são um
povo espalhado pelo mundo, em permanente conflito desde a Antiguidade, e agora
com 67 anos de existência entende que pode massacrar os palestinianos e até interferir
com o Irão.
Capital:
Jerusalém
Emissões de CO₂
per capita: 6,46 toneladas métricas (2022) Banco Mundial
Taxa de
fertilidade: 2,89 nascimentos por mulher (2022) Banco Mundial
Taxa de
crescimento do PIB: 2,4% mudança anual (2023) Banco Mundial
Produto Interno
Bruto: 513,6 bilhões USD (2023) Banco Mundial
PIB per capita:
52 642,43 USD (2023) Banco Mundial
Renda Nacional
Bruta: 518,1 bilhões PPP dollars (2023) Banco Mundial
Neste conflito muitos tentam justificar o ataque ao Irão como tentativa
de eliminar a possibilidade do Irão ter a Bomba Atómica, seguindo um critério
duvidoso: uns podem ter e outros não. E assim se organiza o mundo! Parece que
há o mundo dos bons e o mundo dos maus. Já foi assim durante o período da
guerra fria, uns temendo-se aos outros, para no fim termos um Putin, amado por
uns e odiado por outros, e um Trump que se acha dono do mundo, odiado por
muitos mais, pondo em perigo a segurança mundial, apesar de ocasionalmente ter
uns flashs de bom senso, que baralham o mundo.
O perigo de um Irão com Bomba Atómica, pode ser o perigo de um Iraque
cheio de armas de destruição em massa, em 2003, que afinal já não existiam,
tendo o próprio presidente Bush admitido o erro dos Estados Unidos na avaliação
da situação. Consequências: após a queda de Saddam Hussein, o Iraque enfrentou
um período de grande instabilidade, incluindo uma insurgência sectária, guerra
civil e ascensão do Estado Islâmico.
Também pode ser o perigo de Muammar Kadafi, líder da Líbia, que renunciou
ao programa de armas nucleares e químicas da Líbia em 2003, como parte de um
acordo para melhorar as relações com o Ocidente. Barack Obama, presidente dos
Estados Unidos afirmou que a morte de Muammar al-Gaddafi "marca o fim de
um longo e doloroso capítulo para o povo líbio". Consequências: A morte do
antigo líder líbio poderá ser considerada um crime de guerra, segundo o
Tribunal Penal Internacional, houve esperanças de que a Líbia pudesse iniciar
uma transição para a democracia, no entanto, a realidade foi bem diferente. O
país rapidamente se dividiu em facções rivais, com diferentes grupos armados
lutando pelo controle de áreas estratégicas e de recursos.
Alguns cidadãos ainda recordarão a guerra do Iraque transmitida em
directo pela TV, e a vergonha da famigerada Cimeira das Açores, entre os
líderes de Portugal (José Manuel Durão Barroso), Estados Unidos (George W.
Bush), Reino Unido (Tony Blair) e Espanha (José Maria Aznar, e a reviravolta
que levou a Líbia. Muitos estarão como eu, desconfiados das boas intenções dos Estados
Unidos da América.
Isto é um tabuleiro de xadrez explosivo, onde não há bons nem maus, com
os americanos a ter sempre "dois pesos e duas medidas" (os judeus são
os donos da massa nos States) e a lutar pelos pontos geo-estratégicos onde
possam tirar grandes vantagens simulando, que são os guardiões do mundo, quando
foram o único país a utilizar bombas atómicas em combate, lançando-as sobre as
cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial.
Num dia Trump defende possível "mudança de regime" no Irão e
vai entrar na guerra desencadeada por Israel, no outro dia quer que a guerra
acabe no dia do seu palavrão proferido, porque nem Israel nem o Irão
respeitaram o cessar-fogo, e parece zangado pela falta de palavra, como se ele
tivesse alguma. Daqui até ao dia da publicação do jornal, certamente mudará
tudo novamente.
A mudança regime do Irão deve ser feita a partir do interior do Irão,
assim eles queiram! Regime fechado que respeitando ou não os direitos humanos,
não precisam que a América decida por eles. Os iranianos não são mentecaptos, quando
quiserem mudar de regime, eles mudarão.
Imaginem o Irão afirmar que os Estados Unidos devem mudar de regime!!!
Ou um dia, algum deles afirmar que em Portugal temos que mudar de política!!!…
Na verdade, não daria a camisola por nenhum deles!
Publicado em NVR 2|07|2025
Umas vezes digo
que fui aluna do Siza durante 3 anos, outras vezes digo “carinhosamente” que
levei com o Siza durante 3 anos. Tivemos uma relação de agitação da minha parte
e indiferença da parte dele. Andei a fazer levantamentos de caixilharias no
Passeio das Virtudes à chuva, para a cadeira de Construção II, com trama de
milímetro a milímetro suada, com régua T e esquadro. Pendurei as peças
desenhadas na parede da sala de aula , no dia da avaliação, produto de muiiitas
horas de trabalho, poucas horas de sono e onde a minha vista começou a cansar.
O Siza entrou na sala a fumar e deitou um olhar de relance pelos trabalhos dos
alunos. Comecei a ferver em pouca água perante a indiferença dele. Tive assim
alguns conflitos silenciosos, que depois se resolviam à hora do almoço na
cantina, partilhando o café. Foi o prof mais teimoso que conheci, por vezes no
meu desespero de não arranjar argumentos capazes, eu pensava, “Ele faz-se de
burro! Este prof é impossível! Desesperante!”
Nunca esqueço a
sua voz monocórdica, nas sessões realizadas no anfiteatro, a explicar o
procêsso e o projêcto com o seu sotaque tripeiro.
A sua Bomba
Amarela (Casa Beires) foi a maior lição de arquitectura que ele partilhou com
todos os seus alunos. Tive a sorte de assistir a uma apresentação de uma obra
dele, que agora não lembro, e entender exactamente a sua forma de ler e
interpretar a malha urbana de uma cidade e abriu-se uma janelinha na minha
cabeça que provocou uma verdadeira revolução interior, alterando todos os
conceitos que habitavam o meu pensamento. De repente terminei o curso de
arquitectura com a melhor nota, um dezasseis e adquiri uma visão diferente
sobre os aglomerados urbanos, que me acompanha até hoje.
Visitei a Bomba
Amarela diversas vezes, e tanto a piscina de Leça como a Casa de Chá fizeram
parte dos meus momentos de lazer ao longo de alguns anos.
Obrigada Siza.
São 92 anos. Que contes muitos mais!
O LIVRO DE PONTO
Aprecio investigar
sobre tipo de livros e chegou a vez dos famosos Livros de Ponto, que muitos de
nós já utilizámos, apreciando ou não, e que na maioria dos locais de trabalho
já foi substituído. As gerações mais jovens talvez nem conheçam.
O livro de ponto é um
documento, geralmente físico, como um caderno, onde os funcionários registam os
seus horários de entrada, saída e intervalos do trabalho. Ele serve como um
controlo de jornada de trabalho e é utilizado para fins de cálculo do salário,
horas extras e para cumprimento das obrigações legais de uma empresa,
associação ou grupo.
O registo é manual sobre
papel, e por vezes possibilita também a descrição da tarefa executada com
preenchimento de um denominado sumário.
Ao nível formal, utilizam-se
tabelas, ou grelhas com colunas, imprimidas antecipadamente, e devidamente
identificadas para facilitar o preenchimento, por parte do trabalhador, em que
a maioria das vezes só tem de colocar a sua assinatura no espaço certo.
No exterior, a capa e a
contra-capa, são rígidas, de cor escura - preto, cinzento ou azul escuro - para
não se notar marcas resultantes do manuseamento, onde se colava uma etiqueta
branca com esquadria vermelha, centrada na parte superior da capa, constando em
letra bem desenhada à mão, a identificação do livro. A lombada e as arestas do
livro (cantos) são frequentemente reforçadas com papel vermelho ou cinzento.
A necessidade de
registar surge com a revolução industrial. Na economia pré-industrial, o
artesão detinha o controle sobre o ciclo completo de produção, desde a
matéria-prima até o produto final e o lucro. A Revolução Industrial marcou uma
profunda mudança nas relações de produção, com os operários perdendo o controle
sobre o processo produtivo, com a divisão do trabalho e a produção em série,
tornando-se meros executores de tarefas repetitivas, sob a direcção do capital.
O trabalho concentrou-se
nas fábricas, onde máquinas pertencentes aos donos das empresas substituíram o
trabalho manual, os operários, antes artesãos, passaram a executar tarefas
específicas, controladas por máquinas e subordinadas aos interesses dos
proprietários.
No início o controle de
presença era feito por um operário que anotava os horários de entrada e saída
dos demais trabalhadores, mais tarde havendo confiança de ambas as partes, era
o próprio trabalhador que geria o seu registo.
O livro de ponto é
importante para a empresa e para os funcionários, evitando conflitos laborais:
Para a empresa, ajuda a
garantir a organização e o cumprimento das leis sobre o trabalho, além de
auxiliar no cálculo correto da folha de pagamento.
Para o funcionário,
garante que as suas horas trabalhadas sejam registadas correctamente,
permitindo o recebimento justo pelo seu trabalho, incluindo horas extras.
Em 1888, Willard Bundy
construiu o primeiro relógio de ponto em Nova York, nos Estados Unidos, deixando
de haver o registo em papel e passando a ser mecânico, com um dispositivo que utilizava
cartões perfurados para registar a entrada e saída dos trabalhadores, substituindo
o registo manual feito por outro funcionário
O controle de ponto electrónico
é um modelo ainda mais moderno, que possibilita ao funcionário o registo da sua
presença através do relógio de ponto biométrico - tecnologia que regista a
localização do funcionário no momento em que ele marca o ponto (lá se vai a
privacidade!). Combina o registo laboral com a tecnologia GPS no ponto da sua
marcação.
A evolução do relógio
de ponto adaptou-se à era digital. Agora o registo de horas pode ser feito pelo
computador ou pelo telemóvel do funcionário, sendo ainda mais benéfico na
situação do teletrabalho.
Voltando ao livro de
ponto físico, um livro totalmente preenchido ou esgotado era substituído por
outro e outro e assim sucessivamente, o que exigia grandes arquivos para
guardar os livros esgotados, os denominados arquivos mortos, verdadeiros
cemitérios de uma organização ultrapassada.
Publicado em NVR 25|06|2025
"NUAMENTE TEMPO" - Maria Teresa Horta
Voz: Graça Vilela
file:///E:/radio/audio/91-%20%20nuamente%20tempo%20-%20Maria%20Teresa%20Horta_Voz%20Gra%C3%A7a%20Vilela.mp3
Construído em 1899 como agência dos correios por CP Peters, foi convertido em shopping center em 1990 e renomeado por Magna Plaza.
"Por aqui ninguém tem sangue
puro"
"Por aqui ninguém
tem sangue puro" disse Lídia Jorge no dia de Portugal, senhora de 78 anos,
membro do Conselho de Estado, escolhido pelo Presidente da República Marcelo
Rebelo de Sousa, para o período de 2021 a 2026.
Entendi o discurso de Lídia
Jorge tão impactante e tão importante que decidi lembrá-lo aqui, reforçando e
refrescando a memória dos mais esquecidos, condenando o racismo e a falta de cultura
sobre a nossa identidade. Este 10 de Junho teve um sabor entre o mel, a mostarda
e o limão, como se nos estivéssemos a despedir da democracia, o que me
entristeceu, mas isso é outro assunto.
No século XVII, cerca
de 10% da população portuguesa tinha origem africana, resultado do tráfico de
escravos trazidos pelos portugueses, não de invasões. Essa história de “sangue
puro” é falsa, pois todos somos um mix de diferentes origens: nativos,
migrantes, europeus, africanos, brancos, negros e outras cores. Somos
descendentes tanto de escravos quanto de senhores, de piratas e de vítimas de
roubos, de pessoas cruéis e de misericordiosos. A nossa identidade é uma
mistura complexa e diversa, fazer o quê? Resta-nos apostar na diversidade e na
riqueza multicultural de que somos feitos e sentir orgulho pela nossa história,
porque mesmo nos momentos mais sombrios do Império, estavam em sintonia com
mundo daquela época.
No dia 10 de Junho, em
Lagos, uma escritora destacou a importância de reconhecer a história e a
diversidade cultural de Portugal, interligando o centenário de Camões. Na sua
intervenção, abordou o passado esclavagista do país, lembrando que essa
história faz parte da nossa identidade colectiva. Também salientou a
miscigenação que caracteriza o povo português, afirmando que “aqui ninguém tem
sangue puro”. Claro que o seu discurso não foi bem acolhido por aqueles que
pensam diferente e nem conhecem bem a História de Portugal para poder rebatê-la
e alimentar a sua indignação e protesto. De imediato partes do seu discurso foram
manipuladas e divulgadas nas redes sociais, passando a ideia exactamente oposta
da intenção da escritora.
Cada um de nós é uma
soma de origens ao longo a da história. Lídia focou o seu discurso em Camões, e
toda a complexidade que se vivia na época de Camões, porém, a questão das
origens leva-nos ainda mais longe. Sabemos que muito antes dos Descobrimentos,
ainda Portugal não era Portugal e o nosso território já tinha sido ocupado por
romanos, visigodos, suevos, vândalos, alanos, e posteriormente pelos mouros
(árabes e berberes).
Ou seja, defender
qualquer teoria da diferença entre seres humanos que vivem actualmente em
Portugal é uma grande falácia, que não pode nem deve justificar manifestação de
ódios racistas actuais. Apenas somos uns
mais altos e outros mais baixos, uns mais magros e outros mais gordos, mas o
que nos corre nas veias é um fluido completamente misturado de cor vermelha,
chamado sangue policromático, que se divide apenas em tipo A, B, AB e O,
constituídos por plasma, hemácias, leucócitos e plaquetas. Isto é o que a
ciência nos diz. Mesmo aqueles que consideram ter sangue azul, é simplesmente
vermelho e não encarnado! (ironia)
Todos somos
descendentes dos invasores da Península Ibérica, e somos descendentes tanto dos
escravos como dos senhores que os escravizaram, somo feitos de emigrantes e
imigrados, de fortes e de fracos, de ignorantes e de sábios, de homens e
mulheres, de pobres e de ricos, o que nos deve levar a praticar a tolerância, a
inclusão e o respeito pelo outro.
"Por aqui ninguém
tem sangue puro" (e para que raio alguém quer o sangue puro?!) Nem todos
são portugueses, mas todos somos seres humanos.
Publicado em NVR 18|06|2025
O sermão de Santo António aos peixes
O sermão de Sto.
António aos peixes, é mais conhecido na sua repercussão na acção do Padre
António Vieira contra a desumanidade com que os colonos portugueses tratavam os
índios, no Brasil do século XVII, do que na sua versão original, com o António
de verdade do século XIII.
O sermão é uma alegoria
onde a história dos peixes é usada para transmitir uma mensagem sobre a conduta
humana, criticando os vícios e exaltando as virtudes. Adequa-se a todos os
tempos, é intemporal, mas exige, raciocínio e pensamento crítico por parte dos
ouvintes sobre o tema: a variedade enorme de peixes que existem, o que fazem
para se comerem mutuamente e a sua ambição de poder, atitude aplicável ao ser
humano que ambiciona o poder e é corrompido por ele.
Frei António era um
orador eloquente e distinto que viveu no século XIII, e considerava a humildade
como a virtude mais importante.
Em 1223, estava António
em Rimini (Itália), cidade conhecida como berço das heresias, sobretudo dos Cátaros
que desafiavam a autoridade da Igreja Católica, perante uma multidão de hereges
que não davam crédito às suas palavras proferidas com o objectivo de trazê-los
à “luz da verdade”. A presença de António incomodava-os, ao que estes
respondiam com palavras ríspidas, desconsiderando as suas pregações. Desapontado,
dirigiu-se à foz do Rio Marechia e suplicou a Deus por inspiração divina. Aproximou-se
da água e começou a chamar os peixes.
“Ó peixes, meus
irmãos, vinde vós ouvir a palavra do Senhor, já que os infiéis fazem dela pouco
caso!”
E logo se reuniram
diante de António imensos peixes, grandes e pequenos, de várias espécies. E
todos eles punham a cabeça para fora d’água, respeitando-se e ficaram a
ouvi-lo, atentamente. [os
cépticos devem perceber que na vontade de Deus tudo pode acontecer]
Foi um grande espanto
ver os peixes grandes nadarem com os mais pequenos, e os pequenos sem medo, nem
perigo, passarem sob as barbatanas dos maiores em segurança, resultando um
grande auditório organizado, com os peixes a tomarem o seu lugar para assistir
à pregação, ficando quietos sem fazer barulho; e os peixes pequeninos chegavam-se
ao orador como se ele fosse o seu protector.
“… meus irmãos
peixes, vós deveis agradecer ao vosso Criador por vos ter dado um elemento tão
nobre no qual viver… água salgada. Deus deu-vos muitos abrigos contra as
tempestades e alimento para viver.”
“…Deus deu-vos a sua benção. No grande dilúvio Deus preservou somente a vós, sem dano ou prejuízo… Vós fostes a comida do Rei eterno, Cristo Jesus, antes da Ressurreição e, de novo, depois dela,… quando nosso Senhor… comeu peixe na praia com os seus apóstolos. Por todos esses favores, vós deveis louvar e bendizer a Deus que vos concedeu tantos benefícios.”
Benedetto (um dos
hereges) confuso não sabia para onde olhar e o que pensar. A multidão
influenciável ia chegando ao local constatando o milagre e tirando as suas
conclusões.
“Bendito seja o Deus
eterno, pois peixes da água honram-no mais do que pessoas que negam a sua
doutrina. Os animais irracionais escutam mais prontamente a palavra de Deus do
que a humanidade sem fé.”
As pessoas prostraram-se
com humildade aos pés do Santo, buscando a sua orientação e ensinamentos. O
servo de Deus, ao tomar a palavra, pregou de forma tão excelente e convincente
que conseguiu converter ao catolicismo, os hereges presentes, além de
fortalecer a fé daqueles que já eram fiéis. Após a sua pregação, despediu-se de
todos com alegria e uma bênção, deixando uma impressão duradoura de fé e
esperança na comunidade.
“… minha boa gente e
meus queridos peixes, obrigado por ouvirem com o coração. Voltem agora em paz
para casa.”(adaptação)
As águas
movimentaram-se e borbulharam. Quando Benedetto enxugou os olhos e conseguiu
ver de novo, a superfície da água estava coberta de círculos resultantes do
mergulho dos peixes sob as ondas.
Esta história do
catolicismo é uma metáfora utilizada, quer por religiosos, quer por ateus, para
criticar a ignorância e a indiferença dos homens diante da verdade. A comparação entre o comportamento
dos peixes e o dos humanos serve para alertar sobre as consequências do orgulho
e da desumanidade em diferentes contextos históricos.
Padre António Vieira aludiu a este sermão e através da história dos peixes, demonstrou os vícios dos homens, como a ambição, a violência, arrogância e a falta de respeito, em contraste com as virtudes dos peixes, como a sua submissão e a organização, convidando à reflexão sobre a natureza humana, a fé, a virtude e ao combate às más acções através do entendimento e do respeito mútuo. A sua utilização por Vieira reforça o seu poder de crítica social e moral, tornando-o uma ferramenta de transformação e consciência coletiva, ainda hoje urgente e actual.
Publicado em NVR. 11|06|2025
Imagem: Jorge de Faria Moreira
Há vinte e quatro horas, eu era uma adolescente alegre, despreocupada, feliz e hoje transformo-me numa mulher. Despi a adolescência em Luanda, pouco antes de entrar no Aeroporto Craveiro Lopes, com destino a Lisboa, já sem esperança de regresso breve. Abandono essa fase de transição da vida e adquiro competências rápidas para aceder à maturidade social.
Entro
na idade adulta, tal como uma crisálida que se transforma em borboleta, da
noite para o dia, encurtando preguiças, dúvidas juvenis, inseguranças,
rebeldias e acelerando a autonomia, a tentativa de um maior discernimento e responsabilidade da maturidade.
É
nesse estado do meu desenvolvimento holístico que entro no avião, desconhecendo
onde me levará esta metamorfose activa que levo comigo.
Tento
resistir ao choro. Não entendo esta retirada precipitada, desconheço razões que
justifiquem a determinação do pai em sair e não voltar a Luanda, após as
férias. Despedi-me da minha cidade, contrariada, receando nunca mais ver os
meus amigos. Nasci e vivi em Luanda os últimos anos. Sete anos, os melhores
anos da minha vida, com o desabrochar da minha personalidade, da minha
rebeldia, o desenho das minhas convicções e valores, numa cidade encantada,
cheia de contradições e de assimetrias, mas motivadora, exuberante, apostada em
crescer e em desenvolver o potencial de um território.
Após
a ceia servida a bordo, já passa da meia-noite, os pais tentam dormir. Fingimos
dormir. De olhos fechados, penso em tudo que se passou nestas últimas vinte quatro
horas e a despedida inesperada da cidade de Luanda, determinada pelo pai, mês e
meio após a Revolução dos Cravos[1].
Luanda parecia serena e tranquila, reinava a paz em todas as ruas, porém, o pai
considerou que retirar a família para a Metrópole, agora, é a decisão mais
sensata e assertiva.
Fingimos
dormir. Sim, fingimos. Como alguém poderá dormir vivendo este trambolhão
impensado? Ao contrário das outras viagens de avião, não me interessa em que
lugares viajamos, se vou ou não à janela, nem presto atenção a ninguém. Faço um
balanço da minha vida e das inseguranças que me invadem nestas últimas horas,
de olhos fechados tento controlar a minha respiração, tornando-a aparentemente
regular, cadenciada e serena. Sinto que parte da minha vida foi amputada sem eu
perceber as razões, e esta ferida marcar-me-á para a vida. Não me matará, mas
irá moer-me toda a vida sem escolher hora ou local.
Não
consigo projectar-me no futuro, prever o que acontecerá em Setembro, quando se
iniciar um novo ano lectivo, e como me irei organizar. A caminho do aeroporto,
o meu pai deu indicações precisas à minha irmã que ficou em Luanda, para ir ao liceu,
obter o meu certificado de habilitações do 6º ano / 1º ano do Curso Complementar
e enviar com urgência para a Metrópole.
Vou
dormitando por cansaço, encostada ao braço do pai, ou melhor dizendo, o sono
tropeça em mim ao longo da noite. A minha cabeça parece um labirinto de ideias
e situações que me empurram para este amadurecimento repentino e prematuro, que
se traduz anatomicamente, num brutal nó na garganta. Apesar de contrariada, ainda
no interior do avião, decido não pressionar os pais com o regresso a Luanda.
Esta mudança repentina na nossa vida, deve ser ainda mais penosa e complexa
para eles, que já têm cinquenta anos e grandes responsabilidades. Aguardarei
serenamente, tentarei não criar conflitos, fingirei até algum entusiasmo para
que não se preocupem comigo. Terei de aprender a digerir tudo sozinha. Serei
uma óptima aluna para fazer o meu curso rapidamente, se o pai conseguir
suportar as despesas, confio que sim.
Chegamos
a Lisboa, sem grandes conversas, uma viagem inundada por mutismo e pessimismo.
Esta viagem não se reveste de alegria nem de entusiasmo, como todas as
anteriores, em que eu exteriorizava por excesso, a minha adolescência divertida
e irónica. A minha metamorfose despe-se de amigos e conhecidos, recheando-me de
um grande vazio existencial e revolta, sem saber o que será o meu futuro e o da
minha família e o que faço ao passado. Parece-me que dispo uma túnica leve e
fresca e visto uma camisa-de-forças, contendo-me, apertando-me e sufocando-me. Não
me foi dado poder de decidir sobre ficar ou partir, porque apenas tenho dezasseis
anos e não sou autónoma.
Em
Lisboa, não vejo militares nas ruas, nem cravos nas mãos das pessoas, como eu
imaginava, vejo cerejas, lá estão elas na rua a vender, tudo parece normal, com
mais animação transpirada em frases escritas em paredes, apelando à Revolução
de Abril. O entusiasmo de algumas pessoas contrasta com o nosso constrangimento,
a nossa contenção, os nossos sucessivos nós na garganta. Os táxis continuam a
cheirar a combustível, a estofo mal lavado e o rosário continua pendurado no
espelho retrovisor, a oscilar a cruz durante a viagem. Lisboa continua
movimentada e parece-me iluminada já pela luz do Verão. Oiço uma carrinha com
um megafone a percorrer as ruas perto do aeroporto, emitindo uma canção que
apela à revolução e anuncia um comício.
In "De cereja em cereja beijo o verão"
09|06|1974
LOCOROTONDO, na região de Puglia, Itália, é uma cidade de planta antiga e histórica, caracterizada pelas suas ruas estreitas e arquitetura medieval. A sua origem remonta ao ano 1000, e o nome "Locorotondo" significa "lugar redondo", referindo-se à forma arredondada da cidade, que antigamente era cercada por muralhas. Tem uma planta antiga característica e circular, com o seu centro histórico construído em anéis concêntricos.
A cidade surgiu como uma aldeia vinculada ao mosteiro beneditino de Santo Estêvão e é visível a influência grega.
A origem das bonecas remonta à Antiguidade, sendo encontradas no Egito Antigo, por volta de 2000 a.C., executadas em madeira, barro ou outros materiais. Inicialmente, não tinham a função de brinquedo como as conhecemos hoje, eram objectos fúnebres encontradas em túmulos, sugerindo a crença que numa vida após a morte as crianças poderiam brincar ou então era uma suposta representação da criança falecida. Elas também eram dedicadas a deuses, como Afrodite, em rituais que pediam sorte no amor.
Na Idade Média, a Igreja Católica passou a
considerar as bonecas como objectos ligados à feitiçaria, o que levou a
perseguições e queimadas de bonecas e das suas proprietárias.
A partir do século XVIII, com o desenvolvimento
da indústria, as bonecas começaram a ser produzidas em larga escala e a
popularizar-se como brinquedos infantis.
Actualmente os bebés Reborn são “bonecos
extremamente realistas, feitos para parecerem bebés verdadeiros (reborn =
renascido). Eles são criados com detalhes minuciosos, como pele, cabelos, unhas
e até veias, utilizando materiais específicos que proporcionam uma aparência
natural e uma sensação semelhante à de um bebé real ao toque.” (IA)
A sua representação é cuidadosa e detalhada.
Para além do rosto fofinho, temos o corpo representado de forma realista que
impressiona e assusta.
A tecnologia bebé Reborn deu um salto gigante.
O processo de fabrico é altamente tecnológico, com scanarização de rostos reais
para gerar moldes hiper-realistas, contando com a impressão 3D. O uso da
tecnologia bebé Reborn reduz tempo de produção e garante modelos mais
consistentes, concluídos depois com pintura digital que simulam tons de pele,
luminosidade, vasos sanguíneos, manchas e micro-detalhes, recorrendo a diversos
softwares e à inteligência artificial. como assistente de criação.
Hoje existem comunidades, tutoriais on line,
com webinars, workshops, grupos de Facebook, fóruns e canais de Telegram recheados
de informação sobre esta recente loucura dos bonecos com detalhes tão realistas
que chegam a enganar os olhos mais treinados.
E para que servem? Como primeiro destino está a
parte lúdica das crianças, depois os coleccionadores e finalmente a parte mais
estranha, são utilizados para fins terapêuticos.
Algumas pessoas usam esses bonecos como
companhia, especialmente aquelas que passaram por perdas, problemas emocionais
ou que têm dificuldades em se relacionar com bebés reais - esta é a parte
considerada por mim, como terapia obscura da saúde mental.
Dizem que: “existem programas terapêuticos,
onde os bebés Reborn ajudam crianças com necessidades especiais, idosos ou
pessoas com transtornos emocionais, a desenvolver empatia, cuidado e rotina. Para
muitas pessoas, os bebés Reborn podem desempenhar um papel importante na saúde
emocional e mental. Eles podem ajudar a aliviar a ansiedade, a solidão e a
tristeza, proporcionando uma sensação de conexão e cuidado. Para alguns, cuidar
do boneco é uma forma de expressar o desejo de maternidade ou paternidade, ou
de manter viva a memória de um bebé perdido. “
Até que ponto é uma terapia e não uma paranóia?
As questões emocionais não resolvidas, com rigor, como o luto ou solidão, não
devem ser tratadas no divã dos psiquiatras e psicólogos? Inquieta-me a
tentativa de preencher vazios afectivos com o que nunca poderá ser humano.
Vivemos tempos em que a fronteira entre
fantasia e realidade está cada vez mais diluída, nem sempre de forma saudável.
Quanto a mim, sobre este tema só aproveito o
processo de produção, de investimento financeiro gigantesco, que deveria ser
destinado para resolver problemas estéticos de mutilados por doença, trauma ou
amputação, que necessitam de próteses realistas, confortáveis e adaptadas.