26 junho, 2025

Aqualuz Troia Mar


ANTECIPANDO 

Alameda do Zambujeiro, 7570-789 Tróia,





 

25 junho, 2025

A indiferença de Siza Vieira


 

Umas vezes digo que fui aluna do Siza durante 3 anos, outras vezes digo “carinhosamente” que levei com o Siza durante 3 anos. Tivemos uma relação de agitação da minha parte e indiferença da parte dele. Andei a fazer levantamentos de caixilharias no Passeio das Virtudes à chuva, para a cadeira de Construção II, com trama de milímetro a milímetro suada, com régua T e esquadro. Pendurei as peças desenhadas na parede da sala de aula , no dia da avaliação, produto de muiiitas horas de trabalho, poucas horas de sono e onde a minha vista começou a cansar. O Siza entrou na sala a fumar e deitou um olhar de relance pelos trabalhos dos alunos. Comecei a ferver em pouca água perante a indiferença dele. Tive assim alguns conflitos silenciosos, que depois se resolviam à hora do almoço na cantina, partilhando o café. Foi o prof mais teimoso que conheci, por vezes no meu desespero de não arranjar argumentos capazes, eu pensava, “Ele faz-se de burro! Este prof é impossível! Desesperante!”

Nunca esqueço a sua voz monocórdica, nas sessões realizadas no anfiteatro, a explicar o procêsso e o projêcto com o seu sotaque tripeiro.

A sua Bomba Amarela (Casa Beires) foi a maior lição de arquitectura que ele partilhou com todos os seus alunos. Tive a sorte de assistir a uma apresentação de uma obra dele, que agora não lembro, e entender exactamente a sua forma de ler e interpretar a malha urbana de uma cidade e abriu-se uma janelinha na minha cabeça que provocou uma verdadeira revolução interior, alterando todos os conceitos que habitavam o meu pensamento. De repente terminei o curso de arquitectura com a melhor nota, um dezasseis e adquiri uma visão diferente sobre os aglomerados urbanos, que me acompanha até hoje.

Visitei a Bomba Amarela diversas vezes, e tanto a piscina de Leça como a Casa de Chá fizeram parte dos meus momentos de lazer ao longo de alguns anos.

Obrigada Siza. São 92 anos. Que contes muitos mais!

O LIVRO DE PONTO

 

O LIVRO DE PONTO


 

Aprecio investigar sobre tipo de livros e chegou a vez dos famosos Livros de Ponto, que muitos de nós já utilizámos, apreciando ou não, e que na maioria dos locais de trabalho já foi substituído. As gerações mais jovens talvez nem conheçam.

O livro de ponto é um documento, geralmente físico, como um caderno, onde os funcionários registam os seus horários de entrada, saída e intervalos do trabalho. Ele serve como um controlo de jornada de trabalho e é utilizado para fins de cálculo do salário, horas extras e para cumprimento das obrigações legais de uma empresa, associação ou grupo.

O registo é manual sobre papel, e por vezes possibilita também a descrição da tarefa executada com preenchimento de um denominado sumário.

Ao nível formal, utilizam-se tabelas, ou grelhas com colunas, imprimidas antecipadamente, e devidamente identificadas para facilitar o preenchimento, por parte do trabalhador, em que a maioria das vezes só tem de colocar a sua assinatura no espaço certo.

No exterior, a capa e a contra-capa, são rígidas, de cor escura - preto, cinzento ou azul escuro - para não se notar marcas resultantes do manuseamento, onde se colava uma etiqueta branca com esquadria vermelha, centrada na parte superior da capa, constando em letra bem desenhada à mão, a identificação do livro. A lombada e as arestas do livro (cantos) são frequentemente reforçadas com papel vermelho ou cinzento.

A necessidade de registar surge com a revolução industrial. Na economia pré-industrial, o artesão detinha o controle sobre o ciclo completo de produção, desde a matéria-prima até o produto final e o lucro. A Revolução Industrial marcou uma profunda mudança nas relações de produção, com os operários perdendo o controle sobre o processo produtivo, com a divisão do trabalho e a produção em série, tornando-se meros executores de tarefas repetitivas, sob a direcção do capital.

O trabalho concentrou-se nas fábricas, onde máquinas pertencentes aos donos das empresas substituíram o trabalho manual, os operários, antes artesãos, passaram a executar tarefas específicas, controladas por máquinas e subordinadas aos interesses dos proprietários.

No início o controle de presença era feito por um operário que anotava os horários de entrada e saída dos demais trabalhadores, mais tarde havendo confiança de ambas as partes, era o próprio trabalhador que geria o seu registo.

O livro de ponto é importante para a empresa e para os funcionários, evitando conflitos laborais:

Para a empresa, ajuda a garantir a organização e o cumprimento das leis sobre o trabalho, além de auxiliar no cálculo correto da folha de pagamento.

Para o funcionário, garante que as suas horas trabalhadas sejam registadas correctamente, permitindo o recebimento justo pelo seu trabalho, incluindo horas extras.

Em 1888, Willard Bundy construiu o primeiro relógio de ponto em Nova York, nos Estados Unidos, deixando de haver o registo em papel e passando a ser mecânico, com um dispositivo que utilizava cartões perfurados para registar a entrada e saída dos trabalhadores, substituindo o registo manual feito por outro funcionário

O controle de ponto electrónico é um modelo ainda mais moderno, que possibilita ao funcionário o registo da sua presença através do relógio de ponto biométrico - tecnologia que regista a localização do funcionário no momento em que ele marca o ponto (lá se vai a privacidade!). Combina o registo laboral com a tecnologia GPS no ponto da sua marcação.

A evolução do relógio de ponto adaptou-se à era digital. Agora o registo de horas pode ser feito pelo computador ou pelo telemóvel do funcionário, sendo ainda mais benéfico na situação do teletrabalho.

Voltando ao livro de ponto físico, um livro totalmente preenchido ou esgotado era substituído por outro e outro e assim sucessivamente, o que exigia grandes arquivos para guardar os livros esgotados, os denominados arquivos mortos, verdadeiros cemitérios de uma organização ultrapassada.

Publicado em NVR 25|06|2025

"SER DOIDO-ALEGRE, QUE MAIOR VENTURA!" - António Aleixo



Voz: Anabela Quelhas


23 junho, 2025

"NUAMENTE TEMPO" - Maria Teresa Horta

 


"NUAMENTE TEMPO" - Maria Teresa Horta

Voz: Graça Vilela

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21 junho, 2025

MAGNA PLAZA - Amesterdão

 

Construído em 1899 como agência dos correios por CP Peters, foi convertido em shopping center em 1990 e renomeado por Magna Plaza.








18 junho, 2025

"MINISTROS DA NOITE" de Ana Barradas


 Participação no Karranca às quartas

OIÇA AQUI

"Por aqui ninguém tem sangue puro"

 

"Por aqui ninguém tem sangue puro" 


"Por aqui ninguém tem sangue puro" disse Lídia Jorge no dia de Portugal, senhora de 78 anos, membro do Conselho de Estado, escolhido pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, para o período de 2021 a 2026.

Entendi o discurso de Lídia Jorge tão impactante e tão importante que decidi lembrá-lo aqui, reforçando e refrescando a memória dos mais esquecidos, condenando o racismo e a falta de cultura sobre a nossa identidade. Este 10 de Junho teve um sabor entre o mel, a mostarda e o limão, como se nos estivéssemos a despedir da democracia, o que me entristeceu, mas isso é outro assunto.

No século XVII, cerca de 10% da população portuguesa tinha origem africana, resultado do tráfico de escravos trazidos pelos portugueses, não de invasões. Essa história de “sangue puro” é falsa, pois todos somos um mix de diferentes origens: nativos, migrantes, europeus, africanos, brancos, negros e outras cores. Somos descendentes tanto de escravos quanto de senhores, de piratas e de vítimas de roubos, de pessoas cruéis e de misericordiosos. A nossa identidade é uma mistura complexa e diversa, fazer o quê? Resta-nos apostar na diversidade e na riqueza multicultural de que somos feitos e sentir orgulho pela nossa história, porque mesmo nos momentos mais sombrios do Império, estavam em sintonia com mundo daquela época.

No dia 10 de Junho, em Lagos, uma escritora destacou a importância de reconhecer a história e a diversidade cultural de Portugal, interligando o centenário de Camões. Na sua intervenção, abordou o passado esclavagista do país, lembrando que essa história faz parte da nossa identidade colectiva. Também salientou a miscigenação que caracteriza o povo português, afirmando que “aqui ninguém tem sangue puro”. Claro que o seu discurso não foi bem acolhido por aqueles que pensam diferente e nem conhecem bem a História de Portugal para poder rebatê-la e alimentar a sua indignação e protesto. De imediato partes do seu discurso foram manipuladas e divulgadas nas redes sociais, passando a ideia exactamente oposta da intenção da escritora.

Cada um de nós é uma soma de origens ao longo a da história. Lídia focou o seu discurso em Camões, e toda a complexidade que se vivia na época de Camões, porém, a questão das origens leva-nos ainda mais longe. Sabemos que muito antes dos Descobrimentos, ainda Portugal não era Portugal e o nosso território já tinha sido ocupado por romanos, visigodos, suevos, vândalos, alanos, e posteriormente pelos mouros (árabes e berberes).

Ou seja, defender qualquer teoria da diferença entre seres humanos que vivem actualmente em Portugal é uma grande falácia, que não pode nem deve justificar manifestação de ódios racistas actuais.  Apenas somos uns mais altos e outros mais baixos, uns mais magros e outros mais gordos, mas o que nos corre nas veias é um fluido completamente misturado de cor vermelha, chamado sangue policromático, que se divide apenas em tipo A, B, AB e O, constituídos por plasma, hemácias, leucócitos e plaquetas. Isto é o que a ciência nos diz. Mesmo aqueles que consideram ter sangue azul, é simplesmente vermelho e não encarnado! (ironia)

Todos somos descendentes dos invasores da Península Ibérica, e somos descendentes tanto dos escravos como dos senhores que os escravizaram, somo feitos de emigrantes e imigrados, de fortes e de fracos, de ignorantes e de sábios, de homens e mulheres, de pobres e de ricos, o que nos deve levar a praticar a tolerância, a inclusão e o respeito pelo outro.

"Por aqui ninguém tem sangue puro" (e para que raio alguém quer o sangue puro?!) Nem todos são portugueses, mas todos somos seres humanos.

Publicado em NVR 18|06|2025

"BALADA DA NEVE" - Augusto Gil

 


"BALADA DA NEVE" Augusto Gil

Voz: Manuel Afonso

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11 junho, 2025

O sermão de Santo António aos peixes

 


O sermão de Santo António aos peixes

 

O sermão de Sto. António aos peixes, é mais conhecido na sua repercussão na acção do Padre António Vieira contra a desumanidade com que os colonos portugueses tratavam os índios, no Brasil do século XVII, do que na sua versão original, com o António de verdade do século XIII.

O sermão é uma alegoria onde a história dos peixes é usada para transmitir uma mensagem sobre a conduta humana, criticando os vícios e exaltando as virtudes. Adequa-se a todos os tempos, é intemporal, mas exige, raciocínio e pensamento crítico por parte dos ouvintes sobre o tema: a variedade enorme de peixes que existem, o que fazem para se comerem mutuamente e a sua ambição de poder, atitude aplicável ao ser humano que ambiciona o poder e é corrompido por ele.

Frei António era um orador eloquente e distinto que viveu no século XIII, e considerava a humildade como a virtude mais importante.

Em 1223, estava António em Rimini (Itália), cidade conhecida como berço das heresias, sobretudo dos Cátaros que desafiavam a autoridade da Igreja Católica, perante uma multidão de hereges que não davam crédito às suas palavras proferidas com o objectivo de trazê-los à “luz da verdade”. A presença de António incomodava-os, ao que estes respondiam com palavras ríspidas, desconsiderando as suas pregações. Desapontado, dirigiu-se à foz do Rio Marechia e suplicou a Deus por inspiração divina. Aproximou-se da água e começou a chamar os peixes.

“Ó peixes, meus irmãos, vinde vós ouvir a palavra do Senhor, já que os infiéis fazem dela pouco caso!”

E logo se reuniram diante de António imensos peixes, grandes e pequenos, de várias espécies. E todos eles punham a cabeça para fora d’água, respeitando-se e ficaram a ouvi-lo, atentamente. [os cépticos devem perceber que na vontade de Deus tudo pode acontecer]

Foi um grande espanto ver os peixes grandes nadarem com os mais pequenos, e os pequenos sem medo, nem perigo, passarem sob as barbatanas dos maiores em segurança, resultando um grande auditório organizado, com os peixes a tomarem o seu lugar para assistir à pregação, ficando quietos sem fazer barulho; e os peixes pequeninos chegavam-se ao orador como se ele fosse o seu protector.

“… meus irmãos peixes, vós deveis agradecer ao vosso Criador por vos ter dado um elemento tão nobre no qual viver… água salgada. Deus deu-vos muitos abrigos contra as tempestades e alimento para viver.”

“…Deus deu-vos a sua benção. No grande dilúvio Deus preservou somente a vós, sem dano ou prejuízo… Vós fostes a comida do Rei eterno, Cristo Jesus, antes da Ressurreição e, de novo, depois dela,… quando nosso Senhor… comeu peixe na praia com os seus apóstolos. Por todos esses favores, vós deveis louvar e bendizer a Deus que vos concedeu tantos benefícios.”

Benedetto (um dos hereges) confuso não sabia para onde olhar e o que pensar. A multidão influenciável ia chegando ao local constatando o milagre e tirando as suas conclusões.

“Bendito seja o Deus eterno, pois peixes da água honram-no mais do que pessoas que negam a sua doutrina. Os animais irracionais escutam mais prontamente a palavra de Deus do que a humanidade sem fé.”

As pessoas prostraram-se com humildade aos pés do Santo, buscando a sua orientação e ensinamentos. O servo de Deus, ao tomar a palavra, pregou de forma tão excelente e convincente que conseguiu converter ao catolicismo, os hereges presentes, além de fortalecer a fé daqueles que já eram fiéis. Após a sua pregação, despediu-se de todos com alegria e uma bênção, deixando uma impressão duradoura de fé e esperança na comunidade.

“… minha boa gente e meus queridos peixes, obrigado por ouvirem com o coração. Voltem agora em paz para casa.”(adaptação)

As águas movimentaram-se e borbulharam. Quando Benedetto enxugou os olhos e conseguiu ver de novo, a superfície da água estava coberta de círculos resultantes do mergulho dos peixes sob as ondas.

Esta história do catolicismo é uma metáfora utilizada, quer por religiosos, quer por ateus, para criticar a ignorância e a indiferença dos homens diante da verdade. A comparação entre o comportamento dos peixes e o dos humanos serve para alertar sobre as consequências do orgulho e da desumanidade em diferentes contextos históricos.

Padre António Vieira aludiu a este sermão e através da história dos peixes, demonstrou os vícios dos homens, como a ambição, a violência, arrogância e a falta de respeito, em contraste com as virtudes dos peixes, como a sua submissão e a organização, convidando à reflexão sobre a natureza humana, a fé, a virtude e ao combate às más acções através do entendimento e do respeito mútuo. A sua utilização por Vieira reforça o seu poder de crítica social e moral, tornando-o uma ferramenta de transformação e consciência coletiva, ainda hoje urgente e actual.

Publicado em NVR. 11|06|2025 

Imagem: Jorge de Faria Moreira

"MOTIVO" - Cecília Meireles



Voz: João Carlos Carranca

DIOGO PIÇARRA



 

09 junho, 2025

De crisálida a borboleta

 


              Há vinte e quatro horas, eu era uma adolescente alegre, despreocupada, feliz e hoje transformo-me numa mulher. Despi a adolescência em Luanda, pouco antes de entrar no Aeroporto Craveiro Lopes, com destino a Lisboa, já sem esperança de regresso breve. Abandono essa fase de transição da vida e adquiro competências rápidas para aceder à maturidade social.

              Entro na idade adulta, tal como uma crisálida que se transforma em borboleta, da noite para o dia, encurtando preguiças, dúvidas juvenis, inseguranças, rebeldias e acelerando a autonomia, a tentativa de um maior discernimento e responsabilidade da maturidade.

              É nesse estado do meu desenvolvimento holístico que entro no avião, desconhecendo onde me levará esta metamorfose activa que levo comigo.

              Tento resistir ao choro. Não entendo esta retirada precipitada, desconheço razões que justifiquem a determinação do pai em sair e não voltar a Luanda, após as férias. Despedi-me da minha cidade, contrariada, receando nunca mais ver os meus amigos. Nasci e vivi em Luanda os últimos anos. Sete anos, os melhores anos da minha vida, com o desabrochar da minha personalidade, da minha rebeldia, o desenho das minhas convicções e valores, numa cidade encantada, cheia de contradições e de assimetrias, mas motivadora, exuberante, apostada em crescer e em desenvolver o potencial de um território.

              Após a ceia servida a bordo, já passa da meia-noite, os pais tentam dormir. Fingimos dormir. De olhos fechados, penso em tudo que se passou nestas últimas vinte quatro horas e a despedida inesperada da cidade de Luanda, determinada pelo pai, mês e meio após a Revolução dos Cravos[1]. Luanda parecia serena e tranquila, reinava a paz em todas as ruas, porém, o pai considerou que retirar a família para a Metrópole, agora, é a decisão mais sensata e assertiva.              

              Fingimos dormir. Sim, fingimos. Como alguém poderá dormir vivendo este trambolhão impensado? Ao contrário das outras viagens de avião, não me interessa em que lugares viajamos, se vou ou não à janela, nem presto atenção a ninguém. Faço um balanço da minha vida e das inseguranças que me invadem nestas últimas horas, de olhos fechados tento controlar a minha respiração, tornando-a aparentemente regular, cadenciada e serena. Sinto que parte da minha vida foi amputada sem eu perceber as razões, e esta ferida marcar-me-á para a vida. Não me matará, mas irá moer-me toda a vida sem escolher hora ou local.

              Não consigo projectar-me no futuro, prever o que acontecerá em Setembro, quando se iniciar um novo ano lectivo, e como me irei organizar. A caminho do aeroporto, o meu pai deu indicações precisas à minha irmã que ficou em Luanda, para ir ao liceu, obter o meu certificado de habilitações do 6º ano / 1º ano do Curso Complementar e enviar com urgência para a Metrópole.

              Vou dormitando por cansaço, encostada ao braço do pai, ou melhor dizendo, o sono tropeça em mim ao longo da noite. A minha cabeça parece um labirinto de ideias e situações que me empurram para este amadurecimento repentino e prematuro, que se traduz anatomicamente, num brutal nó na garganta. Apesar de contrariada, ainda no interior do avião, decido não pressionar os pais com o regresso a Luanda. Esta mudança repentina na nossa vida, deve ser ainda mais penosa e complexa para eles, que já têm cinquenta anos e grandes responsabilidades. Aguardarei serenamente, tentarei não criar conflitos, fingirei até algum entusiasmo para que não se preocupem comigo. Terei de aprender a digerir tudo sozinha. Serei uma óptima aluna para fazer o meu curso rapidamente, se o pai conseguir suportar as despesas, confio que sim.

              Chegamos a Lisboa, sem grandes conversas, uma viagem inundada por mutismo e pessimismo. Esta viagem não se reveste de alegria nem de entusiasmo, como todas as anteriores, em que eu exteriorizava por excesso, a minha adolescência divertida e irónica. A minha metamorfose despe-se de amigos e conhecidos, recheando-me de um grande vazio existencial e revolta, sem saber o que será o meu futuro e o da minha família e o que faço ao passado. Parece-me que dispo uma túnica leve e fresca e visto uma camisa-de-forças, contendo-me, apertando-me e sufocando-me. Não me foi dado poder de decidir sobre ficar ou partir, porque apenas tenho dezasseis anos e não sou autónoma.

              Em Lisboa, não vejo militares nas ruas, nem cravos nas mãos das pessoas, como eu imaginava, vejo cerejas, lá estão elas na rua a vender, tudo parece normal, com mais animação transpirada em frases escritas em paredes, apelando à Revolução de Abril. O entusiasmo de algumas pessoas contrasta com o nosso constrangimento, a nossa contenção, os nossos sucessivos nós na garganta. Os táxis continuam a cheirar a combustível, a estofo mal lavado e o rosário continua pendurado no espelho retrovisor, a oscilar a cruz durante a viagem. Lisboa continua movimentada e parece-me iluminada já pela luz do Verão. Oiço uma carrinha com um megafone a percorrer as ruas perto do aeroporto, emitindo uma canção que apela à revolução e anuncia um comício.

In "De cereja em cereja beijo o verão"

09|06|1974



[1] O silêncio do kisanji, segundo livro desta trilogia.

"LUSÍADAS" - Luís Vaz de Camões

 



Voz: Anabela Quelhas







08 junho, 2025

LOCOROTONDO

 



LOCOROTONDO, na região de Puglia, Itália, é uma cidade de planta antiga e histórica, caracterizada pelas suas ruas estreitas e arquitetura medieval. A sua origem remonta ao ano 1000, e o nome "Locorotondo" significa "lugar redondo", referindo-se à forma arredondada da cidade, que antigamente era cercada por muralhas. Tem uma planta antiga característica e circular, com o seu centro histórico construído em anéis concêntricos.

A cidade surgiu como uma aldeia vinculada ao mosteiro beneditino de Santo Estêvão e é visível a influência grega. 


04 junho, 2025

Livros Pop-up

Hoje estive no Karranca às quartas com os livros Pop-up.

Oiça e veja aqui


 

BEBÉS REBORN

    A origem das bonecas remonta à Antiguidade, sendo encontradas no Egito Antigo, por volta de 2000 a.C., executadas em madeira, barro ou outros materiais. Inicialmente, não tinham a função de brinquedo como as conhecemos hoje, eram objectos fúnebres encontradas em túmulos, sugerindo a crença que numa vida após a morte as crianças poderiam brincar ou então era uma suposta representação da criança falecida. Elas também eram dedicadas a deuses, como Afrodite, em rituais que pediam sorte no amor.

Na Idade Média, a Igreja Católica passou a considerar as bonecas como objectos ligados à feitiçaria, o que levou a perseguições e queimadas de bonecas e das suas proprietárias.

A partir do século XVIII, com o desenvolvimento da indústria, as bonecas começaram a ser produzidas em larga escala e a popularizar-se como brinquedos infantis.

Actualmente os bebés Reborn são “bonecos extremamente realistas, feitos para parecerem bebés verdadeiros (reborn = renascido). Eles são criados com detalhes minuciosos, como pele, cabelos, unhas e até veias, utilizando materiais específicos que proporcionam uma aparência natural e uma sensação semelhante à de um bebé real ao toque.” (IA)

A sua representação é cuidadosa e detalhada. Para além do rosto fofinho, temos o corpo representado de forma realista que impressiona e assusta.

A tecnologia bebé Reborn deu um salto gigante. O processo de fabrico é altamente tecnológico, com scanarização de rostos reais para gerar moldes hiper-realistas, contando com a impressão 3D. O uso da tecnologia bebé Reborn reduz tempo de produção e garante modelos mais consistentes, concluídos depois com pintura digital que simulam tons de pele, luminosidade, vasos sanguíneos, manchas e micro-detalhes, recorrendo a diversos softwares e à inteligência artificial. como assistente de criação.

Hoje existem comunidades, tutoriais on line, com webinars, workshops, grupos de Facebook, fóruns e canais de Telegram recheados de informação sobre esta recente loucura dos bonecos com detalhes tão realistas que chegam a enganar os olhos mais treinados.

E para que servem? Como primeiro destino está a parte lúdica das crianças, depois os coleccionadores e finalmente a parte mais estranha, são utilizados para fins terapêuticos.

Algumas pessoas usam esses bonecos como companhia, especialmente aquelas que passaram por perdas, problemas emocionais ou que têm dificuldades em se relacionar com bebés reais - esta é a parte considerada por mim, como terapia obscura da saúde mental.

Dizem que: “existem programas terapêuticos, onde os bebés Reborn ajudam crianças com necessidades especiais, idosos ou pessoas com transtornos emocionais, a desenvolver empatia, cuidado e rotina. Para muitas pessoas, os bebés Reborn podem desempenhar um papel importante na saúde emocional e mental. Eles podem ajudar a aliviar a ansiedade, a solidão e a tristeza, proporcionando uma sensação de conexão e cuidado. Para alguns, cuidar do boneco é uma forma de expressar o desejo de maternidade ou paternidade, ou de manter viva a memória de um bebé perdido. “

Até que ponto é uma terapia e não uma paranóia? As questões emocionais não resolvidas, com rigor, como o luto ou solidão, não devem ser tratadas no divã dos psiquiatras e psicólogos? Inquieta-me a tentativa de preencher vazios afectivos com o que nunca poderá ser humano.

Vivemos tempos em que a fronteira entre fantasia e realidade está cada vez mais diluída, nem sempre de forma saudável.

Quanto a mim, sobre este tema só aproveito o processo de produção, de investimento financeiro gigantesco, que deveria ser destinado para resolver problemas estéticos de mutilados por doença, trauma ou amputação, que necessitam de próteses realistas, confortáveis e adaptadas.  

 Publicado em NVR 04|06|2025

" MORRER DE AMOR É ASSIM" - Joaquim Pessoa


Voz: Joaquim Pessoa

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01 junho, 2025

Storytellers Palace










ANTECIPANDO

Rua Capitão Jaime Pinto, nº6 - S. Martinho do Porto