28 setembro, 2013

Eleições


“Era uma vez numa pequena aldeia no norte de Portugal, situada nas coordenadas do Portugal profundo, onde se preparavam as 1ªas eleições para a junta de freguesia. Os partidos seleccionaram entre os seus simpatizantes os mais capazes e ou os mais militantes e ou os mais bem formados, para as respectivas listas.
Isildo das Fontes, meu vizinho, homem para uns 50 anos de idade, com apelido morfológico e toponímico (nem sei o que quer dizer mas acho que fica bem) primo do tio do irmão de não sei quem, homem das leis, que se candidatava à assembleia municipal, viu-se empurrado para a politica socialista, após a abrilada dos cravos, sem saber ler nem escrever, por influência do tal primo do tio do irmão de não sei de quem, homem das leis, advogado, candidato a presidente da Câmara… Eram parentes afastados mas a politica estava-lhes no sangue!!!
Isildo das Fontes, homem honesto, leal, trabalhador rural de sol a sol, de mãos grandes, robustas e calejadas, habituado a cavar pela madrugada e a anoitecer forrando vacas da lavoira e preparando arados para a madrugada seguinte, sem domingos, sem feriados, nem dias santo, viu-se orgulhosamente metido nesta empreitada da politica.
Candidato a presidente da junta.
Percebia de politica?
Sabia lá ele!
Ele sabia quando devia semear o nabal, e quando arrancava as batatas, sabia quando levava as vacas ao touro da coberta e não se enganava nunca. Era honesto, não devia na mercearia. Das contas ele sabia, até tinha um calendário pendurado na cozinha e todos os anos punha-se a caminho para a cidade, com a sua samarra, guarda-chuva e chapeu e ia pagar a décima pontualmente. Gostava da sua aldeia, que o viu nascer, assim como viu o seu pai e o seu avô. Ele conhecia os campos, os marcos… daqui é deste, e dali é daquele,… ele apaziguava as rixas entre vizinhos desavindos e águas mal divididas.
Portanto poderia ser um bom presidente da junta, porque não?.
E ele rejubilou, a sua autoestima ficou em alta com o convite do primo do tio do irmão de não sei quem, homem das leis, que se candidatava à assembleia municipal: Começou a limpar melhor os socos, a aprumar a camisa e a samarra, e a juntar-se ao domingo no fim de missa ao povo que iria votar nele, com sorriso largo e franco. Começou a substituir os Bes pelos Ves, para linguajar mais fino e fazia o trabalho de casa. Se fazia!!!! Como fazia e não era nada fácil!
Como vos disse ele viu-se empurrado para a politica sem saber ler nem escrever, e era verdade, não sabia ler nem escrever, era analfabeto de pai e de mãe o que não seria impedimento de maior, desde que soubesse assinar a papelada. E era esse o seu trabalho de casa que ele realizava com aprumo e empenho.
Todos os bocadinhos livres a seguir à ceia, ou após o almoço de domingo, Isildo das Fontes puxava dum papel e da caneta, arrumados atrás do escano e treinava a assinatura. Os dedos grossos e rijos, desprovidos de qualquer motricidade fina, mal dobrando as falanges, copiavam ISILDO DAS FONTES com a língua ao canto da boca e de fora, ajudando nas curvas e contracurvas do desenho do I e do EFE, numa assinatura espalhafatosa, como ele tinha visto e admirado num tabelião no tempo do minério, e rematando com gesto largo num rabiosque e ponto final. A coisa não era fácil, mais fácil seria carregar um carro de estrume ou malhar o centeio..
A tarefa só ficava concluída levantando o papel e olhando-a de braço esticado, cuja distância era proporcional à vista cansada produzida pela sua candeia.
Magnifico! magnânimo! “

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas

28I09I2013

22 setembro, 2013

Amo a lógica.


Uma das matérias académicas que mais me influenciou como pessoa e cidadã foi a lógica, área do saber que estuda os processos e os elementos que poderão levar à verdade. Comecei a estudar Lógica através da matemática visualizando o quadro de ardósia do mestre Serra , apenas com 15 anos, em fins de tardes tropicais. Escrevi “comecei”, porque esta aprendizagem tem inicio mas não tem fim, é uma aprendizagem constante,  evolutiva e dialéctica.  O conhecimento das leis do pensamento alteraram a minha vida, cedo despi uma adolescência primária e ingénua e iniciei um caminho marcado pela lógica matemática ensinada com mestria pelo simpático e competente mestre Serra, desenvolvendo e manipulando princípios da negação, dupla negação, conjunção, disjunção etc etc até aos silogismos mais fáceis capazes de serem entendidos e interiorizados por uma teenager.
Rápidamente descobri que o caminho que eu iniciava já vinha lá da Grécia antiga  λογική, sendo Aristóteles uma referência fundamental, apresentando-se também como conteúdo da filosofia e depois parindo até hoje ruas e vielas do conhecimento e da acção, sendo fundamental na advocacia, na engenharia, na arquitectura ,na biologia … e a todas as áreas da investigação cientifica constituindo-se como base nas ciências informáticas e na formação da inteligência artificial. Defino-a como o pilar estrutural do processo avaliação-decisão seja em que domínio for.
Não sendo perita em nada, mas atenta aquilo que me interessa, a lógica está sempre presente na minha vida, psico-motora, na minha vida afectiva e no conhecimento do conhecimento e da vida, permitindo-me avaliar melhor, decidir melhor e errar melhor também. Por vezes erro porque quero errar e porque é bom errar. Nada melhor do que um erro calculado e perfeitamente consciente, quando este assume facetas de algum prazer ou de muito prazer.
Recomendo vivamente o estudo desta área do saber. Nada se descobre, nada se deduz sem conhecermos os mecanismos escondidos dos raciocínios lógicos ou ilógicos.
A verdade nem sempre é a verdade, A verdade pode ser apenas meia verdade ou um completo disparate. Premissas verdadeiras podem ter conclusões supostamente verdades ou  inverdades e por isso existe a falacia que tanto jeito dá em certas situações.
Há questões que são verdadeiras sem o ser, e há questões supostamente falsas que podem ser um mar de verdade.
Há perguntas evitáveis pois sabemos que irão levar sempre a inverdades sem serem falsas.
Há conclusões verdadeiras que estão muito longe da verdade, mesmo que as premissas sejam fiáveis. Mas isto parece um jogo!!!! Sim é um jogo de elasticidade menta, cujos actores podem ser peritos, ignorantes ou assim, assiml. Não se entreguem a Deus, entreguem-se à lógica gritando por Deus de vez em quando
- Ai meu Deus, não há pachorra!
O raciocínio dedutivo é fundamental. Nem tudo o que luz é oiro, e nem tudo que é oiro, brilha. A verdade poder ser sem o ser. A verdade pode conter nuances que sem serem falsas são inverdades. A verdade para um, não é obrigatoriamente a verdade para outro.
Mas afinal?!!!!!
Sim afinal!!!!
A passagem do geral para o particular e do particular para o geral não são processos lineares, ai de quem achar que são. As armadilhas lógicas de certas argumentações conduzem à falsa verdade.
Joga-se com as palavras, com os seus significados e com o entendimento da relação entre elas. A ambiguidade é um campo fértil da inverdade, formando raciocínios inconsistentes, Joga-se com o poder das palavras. Joga-se com o efeito que as palavras tem em certas pessoas, joga-se com a vontade de acreditar em inverdades. Joga-se de feição e joga-se pela conveniência.
A distorção dos factos, a explicação incompleta e superficial, as lacunas propositadas, resultam por vezes em verdades obscuras, ilógicas e hilariantes. Acreditar cegamente na dicotomia logica das afirmações e ignorando as 3ªs vias, é um exercício ingénuo do acreditar na suposta verdade. A meia verdade nem sempre é igual à meia mentira e nem sempre a mentira é gémea da inverdade. Nem sempre a nossa verdade autêntica passa pelo absurdo. Só passa quando queremos que passe, quando queremos ser cegos. Não há pior cego do que aquele que não quer ver.
 Na verdade, a lógica é tão simples, é sim ou não.
  Verdadeiro X Verdadeiro=Verdadeiro; verdadeiro X Falso= Falso  Falso X falso= falso  
Será?
E há conceitos que por mais voltas e maquilhagens que se lhes faça, significam sempre o mesmo.
Amo a lógica.
(Sim esta reflexão não é para ti mesmo sendo.)

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado”