31 julho, 2013

AVEIRO COTA ZERO... ou quase


Clique em
http://issuu.com/anabelaquelhas/docs/aveiro_cota_zero_ou_quase
AVEIRO CIDADE ESCONDIDA
COTA ZERO... ou quase.
Narrativa como aprendente
Curso "Aveiro: a cidade escondida - património e leituras históricas“
Formador: Prof. Rui Tavares
Trabalho final – Anabela Quelhas
Maio 2013

15 julho, 2013

A mecânica e a psiquiatria

Julguei que a mecânica seria uma ciência exacta, como a matemática, como os cálculos que eu tão bem sabia fazer na disciplina de física (a estática, a dinâmica e a quântica) (acelerações e movimentos, forças, peso, vectores, and so on) dentro daquelas salas de calor constante entremeado com frescas correntes de ar a cheirar a acácia rubra.
Tenho verificado que talvez não seja bem assim.
Observo os mecânicos, abrem o capô e coçam a cabeça, embaralhando os cabelos mesmo que eles sejam pente 3, grisalhos ou negros ou até que nem existam.
O meu psiquiatra também faz o mesmo. Homem sexagenário de perfil freudiano sentado no seu cadeirão, de olhar atento e curioso, pronto a descobrir o ninho de cucos que poderá existir em mim.
Os raciocínios que obrigam a essa esfregação não devem ser matemáticos, suponho. Tenho reflectido sobre isso, tenho-me questionada para melhor conhecer o mundo.  
Quando falo das minhas fobias, dos meus sonhos, dos meus pesadelos diurnos e nocturnos, das minhas inseguranças, o psi afaga a barba e invariavelmente passa disfarçadamente os dedos levando a sua caneta credenciada entre eles e esfrega a cabeça. Não há matemática que não se vergue à sua caneta parker rialto (acredito eu).
O que quererá isso dizer?
Será a lógica ilógica das minhas dúvidas esofágicas que assanham a circulação da cabeça do meu psi?
O mecânico faz igual, evidentemente com as mãos oleadas em massa consistente, menos elegante, vestindo um fato de macaco azul muito manchado e com odor a escape, óleo queimado e transpiração quê bê, mas imbuído do mesmo gestual e com o mesmo brilho preocupado reflectido nos olhos, ávido pela descoberta e pelo prazer de navegar pelo desconhecido. Olhos que vêm, cabos, baterias, carburadores, pistons, tubos e bombas injectoras, análogos aos olhos que vêm frustrações, desejos, sonhos e complexos. Um cruza as mãos atrás das costas e circunda a frente do meu jeep, o outro permanece sentado no seu cadeirão e escreve, escreve…e no fim levanta-se cruza as mãos atrás das costas e circunda a long chaise onde estou semideitada.
Um tem a reprodução da “Nua sentada num divã” de Modigliani pendurada ao lado da sua secretária bem organizada com receituário, um pequeno martelo, um pisa papeis da Marinha Grande, e pequenos blocos de apontamentos com publicidade farmacêutica. O outro tem um calendário Pirelli de gajas descascadas ao lado da sua mesa de trabalho cheia de facturas para pagar, chaves inglesas e chaves de fendas parecendo perdidas, mas que não estão. O pisa papéis é uma roda dentada.
Estou mesmo a ver que é tudo igual. Mecânicas semelhantes em contextos diversos. Análises idênticas em enquadramentos distintos.
Afinal quem somos nós?

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas

12 julho, 2013

Não me ensinaste mecânica



Ontem as lágrimas transbordaram desgovernadamente e espelharam-se em frente a mim, pelos mesmos motivos, entre a chávena de café e a torrada da manhã. As lágrimas verteram-se como se estivessem ali à espera da ordem de saída, de um pequeno sinal que lhes permitissem rolar pela face abaixo, sem defesas, sem caminhos escolhidos no seu percurso, sem anúncios do que vai ser… um chorando o pai, o outro chorando a mãe.
A saudade que o tempo não mata. Alivia um pouco, mas não mata nem cura. Junto das lágrimas as palavras custam a sair, juntam-se de forma estranha e ficam presas na garganta como se esta fosse um desfiladeiro de palavras retidas. A saudade fica assim meio adormecida em nós, sem almofada, sem edredon, sem sedativo, fazendo de conta que já não existe, confirmando a nossa certeza que já tudo passou. Um belo dia normalíssimo, como muitos mais deste verão infernal, olhando e tomando a brisa entre as nove e as dez, e desenhando o meu olhar sobre outro olhar, a saudade apanha boleia nas lágrimas sedentas de luz e resolve me dizer que afinal a saudade acordou mais uma vez, espreguiçando-se despudoradamente perante o olhar sobre mim de mim, não se incomodando com a paisagem, com quem estava presente, se eu tinha ou não lenço de papel.
Hoje dando continuidade dessa saudade e sintetizando-a nas lembranças de tantos aniversários teus, verifiquei que não me ensinaste mecânica. Ensinaste-me muita coisa. Ensinaste-me a fazer paredes de tijolos, ensinaste-me a juntar areia e cimento, ensinaste-me a esticar aço, ensinaste-me a fazer cal, ensinaste-me a modelar estribos, ensinaste-me a misturar tintas e adaptar diluentes, ensinaste-me os cuidados para manipular a electricidade. Sei lá tanta coisa útil que me ensinaste, ensinaste-me até a chorar e não ter vergonha disso, mas não me ensinaste mecânica ou eu não quis aprender, não sei bem e hoje me fez falta.
Mais um aniversario pai e eu cá em baixo a fingir que não te lembro-
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas 12julho2013




07 julho, 2013

deslizo

“Deslizo vertiginosamente nos caminhos imaginados de ti, sem controle e sem ter a certeza de nada.
As contradições surgem num labirinto de vontades, desejos que me fazem sobreviver à velocidade uniformemente acelerada do existir, que me envolve sem eu mesma querer ou opinar.
Deslizo como se acariciasse cetim, implodindo as espumas dos dias que passam devagar, querendo reter apenas o sensorial. Vou escalando as emoções, vou circunscrevendo as sensações, como se te desenhasse numa motricidade fina de registo. As linhas seguras, os traços indecisos, as tonalidades de valores contados, exprimem contradições entre o tudo e o nada de nós e certamente os sabores do universo planeados não sei por quem.“
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas



05 julho, 2013

sentados à minha mesa

Levanto os olhos e e tento descobrir as minhas afinidades com cada um, sentados à minha mesa. Tão diferentes e tão próximos. Tão semelhantes também. Revi a construção da minha amizade com cada um, recuando até ao século passado. Sorri e saboreei a minha muamba, pontuada com cola zero e sublinhada com calcinha de nylon. Uns, serenos, outros agitados, carneiros e balanças são predominantes. Eu, única peixinho, saboreio o ser e o estar dos outros, nas minhas voltas em águas superficialmente tranquilas, analisando e imaginando sempre.
Cada um com o seu tempo vivencial muito próximo do que está sentado ao lado e em frente
Todos sorrimos e nos atropelamos nas palavras, sem prioridades.
Brindámos à saúde e â amizade, esta que nos une e que nos empurra muitas vezes para o prazer de estar sem tempo marcado, sem tarefas e sem pressa de chegar a sítio nenhum.
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas